domingo, 8 de julho de 2007

No poder, UNE assiste à divisão do movimento

Caio Junqueira e Cristiane Agostine
Publicado pelo
Valor Online em 06/07/2007

A União Nacional dos Estudantes (UNE) elege neste domingo sua nova direção numa encruzilhada: exerce influência no governo, como poucos momentos dos seus 70 anos de história, e assiste a uma sensível fragmentação do movimento estudantil na disputa pelo que resta de mobilizável numa juventude mais preocupada com o mercado de trabalho e a escalada da violência.

Coração de Estudante
Relação com Governo e sociedade divide estudantes

Lúcia Stumpf
25 anos, estudante de jornalismo da FMU, em São Paulo, atual diretora de Relações Internacionais da União Nacional dos Estudantes (UNE). Filiado ao PCdoB, é candidata da União Juventude Socialista e deve ser a 4ª mulher a assumir a presidência da entidade. Dentro da organização já foi diretora de comunicação e responsável pela articulação dos estudantes com movimentos sociais. Gaúcha, foi vice da UNE no Rio Grande do Sul. Candidata da situação, deverá manter apoio ao governo federal.

Gabriel Casoni
25 anos, estudante de Ciências Sociais da USP, integrante da Conlute. É militante do PSTU e ingressou no movimento estudantil no interior de São Paulo, na luta pela tarifa zero no transporte público. Defende a criação de uma nova entidade estudantil, com partidos da esquerda radical e pretende atrair parte da oposição da UNE para a nova agremiação estudantil. Foi um dos coordenadores da ocupação da Reitoria da USP.

Marcelo Pomar
25 anos, integrante do Movimento Passe Livre de Santa Catarina. Formado em História. Está na linha de frente da organização, mas não é considerado líder. No coletivo, ninguém tem cargo de direção. Já foi processado seis vezes por participação em manifestações contra o reajuste da tarifa contra o transporte público. Bisneto de Pedro Pomar, dirigente do PCdoB morto em 1976 pelo exército e neto de Wladimir Pomar, ex-coordenador da campanha de Lula. Seu tio, Valter Pomar é dirigente do PT.


A entidade reivindica como pauta compartilhada com o governo a expansão de vagas nas universidades federais, o Prouni, a criação de uma rubrica específica no Orçamento das universidades e a limitação de 30% de participação do capital estrangeiro no ensino superior privado. Essa aproximação também se traduz pelo aumento dos repasses federais. Desde 2003, segundo dados do Siafi obtidos pela ONG Contas Abertas, saíram dos cofres da União para a UNE R$ 5,3 milhões. Nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a cifra foi de R$ 1,1 milhão.

À esta força, contrapõe-se a distância da UNE das iniciativas mais visíveis do movimento estudantil - a ocupação de reitorias de universidades federais e da maior instituição de ensino superior do país, a Universidade de São Paulo (USP). Nesta última, onde a ocupação da reitoria durou 50 dias, a maior parte dos alunos acatou um documento em que ficou registrado que a UNE não os representava. Na Universidade Federal de Alagoas, o presidente da entidade, Gustavo Petta, chegou a ser expulso de uma reunião.

Petta rebate as acusações de adesismo e minimiza as considerações sobre a fragmentação do movimento estudantil. "A UNE sempre teve apoio governamental. A diferença agora é que há diálogo. Fernando Henrique nunca nos recebeu. Paulo Renato (ex-ministro da Educação no governo FHC) só nos recebeu uma única vez, em 2001, para negociar o fim da uma greve", diz. Da pauta compartilhada, reclama da proliferação desenfreada das instituições privadas de ensino superior.

O presidente da entidade diz que mais significativa que a fragmentação do movimento é a própria desmobilização dos estudantes. Enquanto gays e evangélicos movem multidões, o máximo que a UNE consegue mobilizar, e ainda assim, reunida a outros movimentos sociais, como o MST e sindicatos, é um público de 20 mil pessoas.

Petta explica essa dificuldade pela mudança no perfil do estudante brasileiro, hoje pouco afeito a causas coletivas. Um levantamento do Ibase e do Instituto Pólis, realizado com 8 mil jovens de 15 a 24 anos, das oito maiores regiões metropolitanas do país, entre 2004 e 2005, revelou que a maior parte deles tem como principal preocupação a falta de segurança e o desemprego, seguidas da qualidade da educação e a desigualdade social. A participação política é pífia: 75% nunca estiveram em uma associação estudantil, 96% nunca atuaram em Organizações Não-Governamentais e 92% jamais estiveram atrelados a partidos.

O coordenador do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais, Juarez Dayrell, diz que o movimento estudantil tem períodos de 'ascensão e latência'. As grandes manifestações surgem de demandas concretas. "Se antes o sentimento do coletivo era mais forte, hoje emerge o individual. Os jovens preferem as lutas em torno das causas imediatas." Entre os 8 mil jovens ouvidos na pesquisa, um grupo significativo gostaria de participar mais de movimentos, mas acaba se afastando pela forma pouco atrativa das entidades. "Tem muita disputa política nas entidades. É uma lógica de atuação que reproduz a lógica da disputa partidária".

Essa disputa tem na Conlute, braço do movimento sindical Conlutas, ligado a partidos radicais de esquerda como PSOL e PSTU, a principal adversária da atual direção da UNE. As duas forças divergem desde a relação com o governo federal até a proposta de reforma universitária. "A UNE é uma entidade com uma história rica, tirou o Collor, mas hoje se tornou um braço do governo, uma filial do MEC nas escolas", critica Thiago Hastenreiter, de 27 anos, cientista social e um dos alunos que acompanhou a criação da Conlute.

Sob o manto das diferenças ideológicas, está a disputa pelo comando dos estudantes. O PSTU tenta juntar forças com o grupo descontente do PSOL, dentro da UNE, para formar uma espécie de "UNE vermelha". "Queremos resgatar o papel questionador do movimento estudantil, com uma entidade não atrelada ao governo. Vamos atrair os que estão à margem", diz Gabriel Casoni, estudante de Ciências Sociais da USP.

A ocupação nas universidades foi uma das formas encontradas pela Conlute para tentar conquistar espaço entre os universitários. A UNE marcou um dia nacional de invasões, mas não obteve resultado expressivo.

Além da disputa entre movimentos estudantis, as manifestações universitárias também mostraram o pouco envolvimento dos alunos nas lutas. Na USP, cerca de 300 dos 81 mil alunos participaram da ocupação. Nas manifestações de rua, o quórum não passou dos 2 mil estudantes.
O descontentamento com a mobilização estudantil tradicional ajuda a explicar a formação de novos movimentos, à margem da UNE e da Conlute. O Movimento Passe Livre é uma das organizações que conquistou dimensão nacional e une jovens de 29 cidades em torno da luta pela tarifa zero nos transportes. O militante Leonel Camasão, do curso de Jornalismo, em Joinville (SC), reclama da organização interna da UNE. "Nas formas convencionais de organização o poder fica muito concentrado. É cruel, vira um grupo coeso demais". A vinculação a partidos políticos é outro ponto que o afastou da entidade nacional. "A UNE tem pretensões eleitorais e não é isso o que queremos. Senão, de dois em dois anos vamos desviar o foco. Temos nossa forma de nos organizar e objetivos bem traçados", diz.

No Passe Livre não há presidente nem diretoria. Não há cargos nem filiados. Como palavras de ordem, destacam a independência e desburocratização no comando. O grupo se organiza por comissões internas e a comunicação entre os militantes também não se descola da modernidade: as discussões e as convocações para as manifestações são feita pela internet. Mas eles não deixam de lado a panfletagem, palestras em escolas e uma reunião mensal, em cada cidade.

O objetivo do movimento, como diz o estudante Leonel, é o subsídio total da tarifa do transporte público pelo Estado e a municipalização ou estadualização das empresas de ônibus. "Seria uma espécie de 'SUS' dos transportes", explica Leonel. As reivindicações são mais próximas do dia-a-dia. "É lindo fazer uma manifestação contra a invasão do Iraque, mas isso não está ao nosso alcance. Queremos a mudança do sistema, para tirar os carros da rua e permitir acesso ao transporte para todos."

Seus militantes rejeitam a pecha de pragmáticos. "Não significa que nossa geração seja despolitizada", explica Marcelo Pomar, de 25 anos, do movimento de Santa Catarina, "mas é menos utópica e procura outra forma de representatividade". A intenção do Passe Livre não é de enfrentamento com a UNE, e sim, ficar à margem e abrir outras portas para a participação aos jovens que não quiserem seguir no movimento estudantil tradicional. "A UNE é muito engessada e não permite discussões profundas. Não é nem má fé deles, mas em uma estrutura muito grande fica difícil garantir democracia. A entidade tornou-se uma estrutura mais preocupada com a manutenção do poder do que com a necessidade concreta das reivindicações", aponta Pomar.

Como não há filiação ao movimento, os integrantes não sabem dizer ao certo quantas pessoas estão mobilizadas no país. Mas sabem que é uma bandeira defendida nacionalmente e que revoltas populares contra o aumento da tarifa nos transportes, em Salvador e em Florianópolis, deram-lhe visibilidade nacional.

Dois anos antes de a organização ganhar corpo, em 2005, durante o Fórum Social Mundial, cerca de 20 mil pessoas foram às ruas de Salvador, para tentar barrar o aumento da passagem do ônibus. Houve forte repressão policial e o movimento, composto maciçamente por estudantes, ficou conhecido como "Revolta do Buzu" (em referência a uma gíria de 'ônibus'). Dois anos depois, em 2005, os estudantes reagiram a novo reajuste tarifário. "O desgaste ficou patente naquela época, porque os representantes da UBES e da UNE chamavam de "baderneiros" os que reivindicavam o passe livre", conta "Manolo", de 28 anos, um dos organizadores. Na mesma época, Santa Catarina enfrentou dois reajustes tarifários, e a população foi às ruas, no que ficou conhecido como "Revolta da Catraca". "Os movimentos trouxeram à cena política uma geração inteira de jovens que não confiava nos instrumentos tradicionais de fazer política: partidos, estado, sindicatos, entidades representativas", diz Manolo.

Os integrantes ressalvam que a organização é mais do que um movimento estudantil: muitos dos que ajudaram a compor a organização já não estão mais nas universidades nem nas escolas. Além disso, eles pretendem ganhar força junto à população. A estudante de economia Simara Pereira, da UFSC, defende que o Movimento Passe Livre "criou-se a partir da articulação estudantil, mas tem hoje como bandeira a defesa de interesses da população".

Gustavo Petta reconhece a legitimidade do movimento e sua importância para a pluralidade da representação estudantil, mas contesta sua recusa em participar da luta interna na UNE. " É um equívoco porque isso enfraquece a unidade do movimento estudantil", diz.

Filiado ao PCdoB, Petta deverá fazer seu sucessor, a estudante de Jornalismo, a gaúcha Lúcia Stumpf, diretora de Relações Internacionais da entidade, mantendo assim um domínio de seu partido sobre a entidade que já dura 15 anos. Na pauta da chapa situcionista está a aposta em outros canais de aproximação com o jovem que não mais se deixa atrair pelo discurso inflamado de outros tempos. "Criamos os Centros Universitários de Cultura e Arte, passamos a participar das reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e estamos discutindo a participação nos jogos universitários", diz Lúcia Stumpf.

Aos 25 anos, a estudante de Jornalismo e Ciências Sociais faz parte da União da Juventude Socialista, entidade criada em 1984 e cujo primeiro coordenador-geral foi o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). A UJS tem forte ligação com o PCdoB. O atual ministro dos Esportes, Orlando Silva, por exemplo, dirigiu-a de 1998 a 2001, depois de passar dois anos à frente da UNE.

Os críticos da UJS afirmam que muitos estudantes são colocados dentro das faculdades com o apoio do partido para fazer política estudantil, conquistar os centros acadêmicos, conseguir eleger a maior parte dos 3 mil delegados que votam no Congresso da UNE e, assim, manter a base de sustentação de uma legenda sem grande representatividade legislativa. Na Câmara hoje a bancada do PCdoB é de 13 deputados, seis dos quais militaram no movimento estudantil. Lúcia Stumpf rechaça as críticas de infiltração. "É o contrário. Pelo fato de a UJS militar em favor dos estudantes é que ela é organizada no movimento estudantil. São os estudantes que a procuram", diz.

A eleição de domingo deverá ter quatro chapas para disputar os 17 cargos da Executiva. A chapa majoritária, com previsão de obter mais de 70% dos votos dos delegados, refletirá a coalizão governista de Lula. Terá, além do PCdoB, a maior parte das tendências petistas (Mudança, Movimento de Ação e Identidade Socilista, Democracia Socialista e Movimento PT), PMDB e PDT. Deve ocupar 15 cargos na Executiva.

Em seguida, com 10% dos votos, deve ficar a Frente de Oposição de Esquerda, que agrega o PSOL, PCB e o Partido Comunista Revolucionário (PCR). Pegará provavelmente um cargo. Depois, devem disputar a vaga restante a chapa de oposição de direita, que abrigará PSDB, Democratas e PPS, e uma chapa com uma parte do PSB e o restante das tendências petistas, como Articulação de Esquerda e Articulação Unidade na Luta (Campo Majoritário).



Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br