quarta-feira, 4 de julho de 2007

Firma com sócios brasileiros blinda projeto da Stora Enso no Sul do país

André Vieira
Publicado pelo
Valor Online em 04/07/07

As empresas de papel e celulose sofrem críticas freqüentes de organizações não-governamentais sobre o impacto ambiental de seus empreendimentos. No Rio Grande do Sul, a Stora Enso está no meio não apenas desta discussão, mas também de um embate legal.

A fabricante sueco-finlandesa vem encontrando dificuldades para regularizar o registro de terras em zona de fronteira no Estado por ser uma companhia de capital estrangeiro - ela precisa de uma autorização especial do governo federal para efetuar o registro.

Mas a Stora Enso achou uma fórmula para evitar que as terras já adquiridas ficassem desprotegidas legalmente enquanto a autorização não for concedida. A empresa fez o registro das fazendas em nome de dois executivos da própria companhia, brasileiros natos e residentes no país. Na prática, eles passaram a ser grandes latifundiários, donos de 52 fazendas no Rio Grande do Sul.

O procedimento está sendo analisado pela Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul. "É um debate interessante", diz ao Valor o procurador Ipojucan Corvello Borba. "A questão é saber se essa foi uma saída legal para regularizar a situação ou se foi uma forma ilegal para contornar a legislação brasileira."

A investigação surgiu depois de promotores estaduais, que analisam o processo de licenciamento ambiental das empresas de celulose no Rio Grande do Sul (além da Stora Enso, há projetos de investimentos da Votorantim e da Aracruz), encontrarem um documento mostrando a relação entre a Derflin, controlada integralmente pela Stora Enso, e a Azenglever Agropecuária Ltda, a companhia dos diretores da empresa.

Ao comprar as fazendas, a Derflin não conseguiu fazer o registro de propriedade nos cartórios locais porque era uma empresa de capital estrangeiro. Por conta disso, decidiu efetuá-lo em nome da Azenglever. O documento descoberto pelos promotores públicos indica que as cotas da empresa dos executivos serão incorporadas pela Derflin tão logo seja dada a autorização do governo federal.

A análise, a cargo do Ministério Público Federal, em Porto Alegre, está em um estágio preliminar de avaliação da documentação dos acionistas das duas empresas, diz o procurador Borba. O MPF pode pedir a instauração de ação penal se avaliar necessário.

A informação, divulgada no site "EcoAgência", circulou rapidamente entre os integrantes dos movimentos ambientalistas contra os bilionários projetos de reflorestamento no Rio Grande do Sul. Eles acusam a Stora Enso de "driblar" a Lei de Segurança Nacional para "impor" seu projeto de reflorestamento para construção de uma fábrica de celulose. Dizem que os projetos ameaçam o ambiente com o que chamam de "deserto verde", áreas densas de florestas de eucaliptos que interferem na biodiversidade local.

O deputado federal Adão Pretto (PT-RS), ligado ao Movimento do Sem-Terras, pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito contra a empresa. Em sua defesa, a Stora Enso diz que não agiu assim para burlar a Lei de Segurança Nacional que impede que companhias de capital estrangeiro tenham propriedades rurais a menos de 150 quilômetros da fronteira.

Das 94 fazendas adquiridas entre 2004 e 2005 pela Stora Enso, 52 propriedades já foram escrituradas em nome da Azenglever. As terras, situadas na região sudoeste do Estado, próximo à fronteira com a Argentina e o Uruguai, estão em Alegrete, Cacequi, Itaqui, Maçambará, Manoel Viana, Rosário do Sul, São Borja, São Francisco de Assis e Unistalda. No total, a empresa tem 45,7 mil hectares.

"A orientação dos advogados foi criar uma proteção jurídica para evitar riscos", diz ao Valor o vice-presidente da Stora Enso na América Latina, Otávio Pontes. "É preciso, em caso de invasão, que a terra tenha um dono para pedir sua reintegração de posse ao juiz." O executivo, juntamente com o diretor florestal João Borges, são os sócios da Azenglever.

Otávio Pontes explica que a empresa não tomou nenhuma atitude às escondidas, argumentando que o documento que serve de base para a investigação do MPF foi emitido pela própria Stora Enso enquanto aguarda a autorização do Conselho de Defesa Nacional (CDN), órgão de consulta do presidente da República para assuntos ligados à soberania nacional e a defesa do Estado. "É um processo transitório", diz Pontes.

O plantio de eucaliptos começou depois de a Fepam, o órgão ambiental do Estado, ter concedido licença para oito fazendas, em um total de 2,5 mil hectares. A meta da Stora Enso é comprar cerca de 120 mil hectares até o início da próxima década, mas as novas aquisições de fazendas foram suspensas.

Desde o ano passado, a Stora Enso enfrenta um longo caminho de resgate da história das terras adquiridas a fim de regularizar a situação. A empresa faz a compilação da Cadeia Sucessória Dominial dos títulos dos diversos proprietários de terras gaúchas desde 1850, quando foi instituída a Lei de Terras, a primeira norma legal de propriedade privada instituída pelo Império brasileiro.

A empresa já protocolou no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) 38 processos (um para cada propriedade). Deste total, 24 deles estão completos, à espera da análise dos técnicos do Incra. "O Incra nos pediu para não remeter mais documentos enquanto analisam o primeiro lote." Depois da análise, os documentos devem ser levados à Brasília. O CDN não tem data específica para avaliar os documentos.


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