"A ala dos enredos patrocinados"
Uma breve história dos anunciantes que aderiram suas marcas aos sambas de enredo das escolas
A Beija-Flor ficou com o título em 2008, com enredo patrocinado pela prefeitura de Macapá e pelo Governo do Amapá
Em 2002, a Marquês de Sapucaí cantou "riscando o céu de vermelho, estende o tapete, lá vem meu Salgueiro" quando a escola do bairro da Tijuca passou pelo sambódromo carioca. Mas por trás daquele samba de enredo estava um dos maiores cases de sucesso no casamento patrocínio-escola de samba.
Naquele ano, a TAM, que investiu mais de R$ 1,2 milhão no apoio, conseguiu relacionar o enredo da escola - o sonho de voar - com seu slogan, "o orgulho de ser brasileiro". Uma fatalidade deu até mais destaque ao desfile: o último carro alegórico representava o Comandante Rolim Amaro, que havia falecido num acidente de helicóptero em julho do ano anterior. Já a Salgueiro terminou a competição na mediana sexta posição, colocação que a escola já estava acostumada a ficar.
"O objetivo de marketing foi cumprido. A TAM tinha problemas para entrar no mercado carioca e ampliou seu horizonte dessa forma", conta Carlos Perrone, atual sócio da Pepper e na época à frente da All-E, que negociou toda a parceria.
E Perrone está, de novo, na avenida. Para os desfiles de 2010, a Pepper intermediou toda a negociação da Positivo com a Portela, que falará de inclusão social por meio de inclusão digital. "Acredito que este seja o maior projeto multidisciplinar na história do carnaval do Rio de Janeiro. Teremos propaganda, promoção, marketing de incentivo, marketing de relacionamento, ações digitais, branding e PR", explica.
A Positivo também será cotista oficial da Liga das escolas de Samba do Rio (Liesa) e estará no sambódromo como computador oficial do carnaval 2010. "É um projeto com grande aderência à marca por termos sido uma das empresas que mais colaborou com a inclusão digital no País", diz César Aymoré, diretor de marketing da empresa. O investimento, não declarado, deve ultrapassar a marca de R$ 1 milhão.
O executivo ainda destaca como é gratificante participar da festa. "É a maior manifestação cultural do Brasil depois do futebol e bem interessante por ser um tema de ativação relativamente novo. Vamos agregar valor à marca, que está crescendo muito, com um portfólio com elasticidade", explica Aymoré. "A parceria com a escola continua depois do carnaval. Já doamos 20 computadores para a escola e pretendemos dar sequência com o projeto social", finaliza.
Mas os regulamentos da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) e da Liga das Escolas de Samba de São Paulo (LigaSP) proíbem qualquer merchandising explícito em alegorias, fantasias e até nas roupas dos empurradores de carros alegóricos - que, na verdade, fazem apenas figuração, por hoje ser tudo completamente motorizado.
Então como aparecer no desfile? Perrone destaca que a Positivo entregará monitores sem marcas, que estarão em algumas alas. A escola também pretende entrar na avenida com um carro interativo, com seis painéis de led que retransmitirão mensagens enviadas por SMS.
"E não me altere o samba tanto assim...."
A Positivo também está na letra do samba da escola. O samba vencedor foi alterado - a frase "faz da criança inspiração, pro futuro da nação" se transformou em "faz da criança um cidadão, positivo pra nação" - antes da letra oficial ser publicada pela editora da Liga, o que não deve prejudicar a escola na apuração. "Tenho 20 anos de samba corporativo e sei que com cultura popular não se brinca. Em nenhum momento houve contrato ou pressão para mudança de letra", reitera Perrone.
"Alguma alteração forçada pode criar antipatia. Certos temas não rendem grandes obras, o que leva o samba a possuir versos mais pobres e cheios de lugares-comum", explica Alberto Mussa, que acaba de lançar o livro "Samba de enredo: história e arte" pela Editora Civilização Brasileira. Para escrever o livro, ele e Luiz Antonio Simas escutaram exatos 1.324 sambas, de todos os tempos.
E Mussa vai além. "É ridículo uma escola de samba fazer isso. O samba de enredo é uma narrativa épica, com características próprias. O máximo que acredito em patrocínios é do ponto de vista turístico", diz o escritor. "Temos que entrar na era comercial sem destruir a matéria-prima, que é a letra do samba", lembrando que a qualidade das músicas tem caído muito e um dos principais motivos seria essa transformação cultural. Mussa ainda cita poucos exemplos em que ele acredita que o patrocínio encaixou-se perfeitamente na letra - veja abaixo. "A Beija-Flor é um ótimo exemplo desse encaixe", finaliza.
A escola de Nilópolis, inclusive, este ano falará do cinqüentenário da fundação de Brasília. Por isso, recebeu cerca de R$ 3 milhões do Governo do Distrito Federal, justamente na época em que explodia o escândalo do mensalão do DEM. Mas o apoio havia sido definido bem antes disso, em maio. Na época, o presidente da escola, Farid Abrão David, afirmou que "um grande desfile não se faz com menos de R$ 20 milhões" - o valor real deve girar entre R$ 6 e R$ 8 milhões.
Um dos sambas citados por Mussa é de 2005, ano em que a Imperatriz Leopoldinense falou de fábulas infantis e recebeu mais de R$ 800 mil da Câmara de Comércio da Dinamarca, com a homenagem feita a Hans Christian Andersen. O escritor se transformou no refrão do samba, deixando o brasileiro Monteiro Lobato e a sua Turma do Sítio um pouco de escanteio. Mas o quarto lugar alcançado pela escola mostrou, mais uma vez, que mais vale um desfile perfeito, plasticamente falando, do que um enredo bem amarrado.
Outro caso interessante aconteceu em 2006. A Unidos de Vila Isabel venceu o campeonato, pela segunda vez na história, com o samba Soy Loco Por Ti América: a Vila Canta a Latinidade, e recebeu mais de R$ 2,5 milhões da empresa estatal Petroleos da Venezuela (PDVSA). Na época, uma diferente comemoração se viu na quadra da Vila: diversas bandeiras da Venezuela tremulavam ao lado dos pavilhões da escola. Depois, em dezembro daquele ano, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ganhou uma homenagem da escola em sua passagem pelo Rio de Janeiro, durante sua estada no País para um encontro com o presidente Lula.
A primeira a usar do artifício de ligar um enredo a um patrocinador foi a Unidos do Cabuçu, em 1987, que ficou em sétimo lugar no carnaval carioca com o tema Roberto Carlos na Cidade da Fantasia, com patrocínio da prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, cidade natal do Rei da Jovem Guarda, que esteve presente na avenida.
Dinheiros nem sempre traz felicidade
A Rede Globo paga cerca de R$ 20 milhões para ter a exclusividade na transmissão dos desfiles de sexta, sábado (em São Paulo), domingo e segunda (no Rio). Mesmo assim, não escapou de mostrar, vez por outra, seus concorrentes. Em 2001, com o enredo Hoje É Domingo, É Alegria. Vamos Sorrir e Cantar!, a Tradição homenageou o empresário Silvio Santos, do SBT - e a emissora carioca não pôde reclamar, uma vez que o desfile lhe rendeu a maior audiência daquele carnaval, com 39 pontos no Ibope.
Em 2007 foi a vez de o Grupo Bandeirantes aparecer na telinha da Globo. A paulistana Nenê da Vila Matilde contou a história de João Jorge Saad, fundador do grupo, com o enredo A Águia Radiante com o Pioneiro das Comunicações - João Jorge Saad - 70 Anos de Conquistas e Realizações. Jornalistas, artistas e personalidades que passaram pelas rádios e emissoras da Bandeirantes também foram lembrados no desfile. Nenhum dos
dois enredos foi patrocinado.
Atravessando o samba
Voltando à mudança da letra do samba, a paulistana Rosas de Ouro não teve a mesma sorte da Portela. A tradicional escola da Zona Norte de São Paulo foi obrigada a modificar o nome do enredo e parte de seu samba para o desfile deste ano por solicitação da Rede Globo.
De "Cacau é Show", o enredo se transformou em "Cacau: Um grão precioso que virou chocolate sem dúvida se transformou no melhor presente!". A palavra "chegou", por sua vez, vai substituir o "show" no refrão da agremiação.
Segundo a emissora, "está previsto no contrato mantido entre a Rede Globo e a Liga das Escolas de Samba que não é permitido a realização de propaganda e ações de merchandising, em caráter explícito ou disfarçado, durante os desfiles de Carnaval". Quando acontecem casos assim, eles são levados ao conhecimento da presidência da Liga que "avalia e toma as medidas necessárias para o cumprimento contratual".
O enredo está definido desde maio do ano passado. Já o samba foi escolhido em setembro. É fácil remeter tanto o enredo quando a letra à Cacau Show, marca de chocolates que conta com mais 750 lojas franqueadas espalhadas pelo País. Segundo Angelina Basílio, presidente da escola, o enredo, inclusive, foi baseado no livro "O cacau é show", de Alexandre Tadeu da Costa, presidente da companhia, que nasceu no bairro da Casa Verde.
A marca é apoiadora da escola e terá uma ala especial. O desfile pretende contar a história do fruto do cacaueiro, que já foi bebida, moeda e que nos tempos modernos passou a se transformar no chocolate como conhecemos.
Em 2002, a emissora ameaçou não transmitir o desfile da Mocidade Alegre, atual campeã do carnaval paulistano, se a escola não deixasse de lado os carros alegóricos com as frases "Leite Ninho" e "Leite Moça" nas latas. A escola recuou e o desfile foi transmitido normalmente.
Já em 2007, a Suvinil patrocinou o desfile da X9 Paulistana. As latas de tinta nos carros remetiam claramente à marca, principalmente por causa de suas cores características (amarelo, vermelho e marrom).
Camarote Nº1
Já a Grande Rio tem tradição em conseguir angariar mais investimentos para seus desfiles. Em 2009, a escola de Duque de Caxias levou para a avenida o enredo "Voilà, Caxias! Para sempre Liberté, egalité, fraternité, Merci beaucoup, Brésil! Não tem de quê!", que aproveitou as comemorações do Ano da França no Brasil. Conseguiu, com isso, apoio da prefeitura da cidade de Nice e de diversas multinacionais francesas, como L'Oreal, Peugeot e Pernod Ricard. Os investimentos ultrapassaram a marca de R$ 2 milhões.
Já em 2008, a escola de Caxias homenageou o "gás ecologicamente correto" da Refinaria de Urucu, na cidade de Coari, no Amazonas. Em 2005, com patrocínio de R$ 2,5 milhões da Nestlé, entrou na avenida com o enredo "Alimentar o corpo e alma faz bem", que contava, em seu samba de enredo, com as frases "Moça, o teu doce é saboroso" e "Lá em nosso ninho tem sabor especial" que remetiam à produtos da multinacional.
Para este ano, a Grande Rio pretende fazer uma homenagem aos 20 anos do Sambódromo. E por isso, conta com menções, em seu samba, a carnavalescos como Joãsinho Trinta, escolas como o Salgueiro e personagens do samba, como Jamelão. E não deixa de lado o camarote da Brahma, identificado como o "Nº 1". "O samba faz enredo a todos esses personagens. E o camarote faz parte dessa história", explica Joyce Ruiz, diretora de negócios do Banco de Eventos.
"A avenida fica exatamente onde ficava a fábrica da Brahma. E nada mais justa a lembrança do primeiro camarote que foi criado na Sapucaí", explica Marcel Marcondes, diretor de marketing da marca. "Não patrocinamos o enredo. Apenas mantivemos a relação comercial que já possuímos com a escola e fornecemos materiais para o carnavalesco", completa. Mas a escola, em seu enredo, faz menção aos "guerreiros do carnaval" - utilizando o conceito que a Brahma tem permeado em sua última campanha criada pela Africa.
TRECHOS DOS SAMBAS
Beija-Flor, 1998
Governo do Pará
Lundu e siriá, marujada e vaquejada
Minha escola vem mostrar
O folclore que encanta
O estado do Pará
Imperatriz Leopoldinense, 2005
Câmara de Comércio da Dinamarca
Da Dinamarca voou, foi além
Como um cisne altaneiro
Hans Christian Andersen
Beija-Flor, 1999
Prefeitura de Araxá
Araxá, Araxá...
Paraíso hospitaleiro,
onde do alto
Se avista o sol primeiro
Renato Pezzotti
Meio Mensagem Online, 05/02/10
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