"Muitas ONGs são corruptas" [segundo] Heni Ozi Cukier, professor da ESPM e consultor da área de sustentabilidade
O chamado marketing de causas sociais e os projetos sustentáveis já abocanham US$ 2,7 trilhões ou 11% de tudo que é investido por ano nos Estados Unidos. Um quadro muito diferente do Brasil, onde o terceiro setor caminha a passos lentos. Graças ao ranço de assistencialismo embutido em boa parte dos projetos, de acordo com o brasileiro Heni Ozi Cukier. Especialista em conflitos internacionais, ele atuou como assessor na Organização das Nações Unidas (ONU), onde tomou gosto pelos temas ligados à sustentabilidade. De volta ao Brasil, Cukier divide seu tempo entre a Escola Superior de Propaganda e Marketing, onde dá aulas, e a Core Social Asset Management, empresa criada para gerir projetos de sustentabilidade. Nesta entrevista, ele discorre também sobre a atuação do Brasil no Haiti e os desafios para que o País se torne um protagonista na cena global.
DINHEIRO - No início da década pensou-se que as questões econômicas tomariam o lugar do debate político ideológico. Por que isso não aconteceu na prática?
HENI OZI CUKIER - Isso até pode vir a acontecer, mas não de uma forma tão estruturada. O crescimento e a diversificação das trocas comerciais funcionam como uma forma de furar barreiras políticas. Um bom exemplo é o trabalho desenvolvido pelas empresas multinacionais. Elas operam em todos os países e têm um papel importante na solução dos problemas globais, inclusive na área social. A Fundação Bill & Melinda Gates, criada por Bill Gates, dono da Microsoft, está movimentando recursos para erradicar doenças que afetam os países pobres, especialmente na África. Gates dispõe de mecanismos mais efetivos que alguns países e organismos internacionais.
DINHEIRO - Mas isso não pode acabar colocando pessoas e países sob o manto do assistencialismo?
CUKIER - Essa crítica se aplica ao que boa parte das ONGs vem fazendo até hoje, mas não para a fundação criada por Gates. Ele integra o time de Capitalistas Filantropos, que inclui ainda o bengalês Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank. Ao contrário de muitas ONGs, eles não dão o peixe, mas ensinam os pobres a pescar. E como Gates não depende de recursos de governos ou de organismo internacional, sua fundação goza de uma autonomia que outras entidades não têm.
DINHEIRO - No Brasil, inúmeras ONGs atuam com educação e mesmo assim a qualidade do ensino continua ruim. Onde elas estão errando?
CUKIER - Sabemos que muitas ONGs não conseguem cumprir seu papel. E isso se deve, em muitos casos, à má gestão ou à falta de eficiência. Existe muita ONG que foi concebida apenas para gritar, não para gerar resultados práticos. Uma das exceções é a Fundação Ayrton Senna, que faz um trabalho consistente e de longo prazo.
DINHEIRO - Pode-se dizer que diversas ONGs estão vivendo da causa ou se transformaram em linha auxiliar do governo?
CUKIER - Creio que a maioria delas se enquadra nesse perfil. Muitas ONGs, especialmente no Brasil, se tornaram instrumentos de corrupção de uma série de esquemas. E isso é lamentável porque as ONGs têm um papel fundamental para ajudar a resolver os problemas sociais do mundo.
DINHEIRO - E qual é a sua avaliação do trabalho feito pelas empresas privadas que montam fundações e institutos?
CUKIER - Muitas delas atuam de forma bastante profissional. Mas, no geral, ainda há um grande problema de mão de obra de qualidade para atuar na gestão, além da inexistência de ferramentas que deem suporte para essas ONGs. O Brasil necessita de pessoas capazes de conciliar a agenda social com as peculiaridades das empresas privadas. Temos de seguir o exemplo dos EUA, onde existem diversos projetos inovadores. Um deles é a água Ethos, da Starbucks, cuja parte da renda é direcionada a ações sociais.
O Bono Vox foi outro que criou uma grife, a marca Red, que é licenciada para empresas em troca de doações para campanhas de combate à Aids na África. São exemplos efetivos de marketing relacionado à causa.
DINHEIRO - E o que falta para que esse modelo seja adotado no Brasil?
CUKIER - Por aqui, os dirigentes de empresas privadas temem ser criticados ao usar mecanismos desse tipo.
DINHEIRO - E como mudar isso?
CUKIER - Além da construção de uma nova mentalidade, precisamos criar ferramentas que facilitem essa transição. O consultor indiano Coimbatore Krishnarao Prahalad defende a tese de que a erradicação da pobreza depende da expansão do mercado de consumo. Seu foco são os quatro bilhões de pessoas que vivem com até US$ 2 por dia.
A Danone colocou isso em prática ao investir em uma marca local de iogurte feita com vitaminas sob medida para os indianos. As fábricas foram construídas em locais carentes e a venda é feita por integrantes da própria comunidade. Isso ampliou a circulação de riqueza, além de ter contribuído para a melhora na saúde das pessoas. Parte do lucro com a venda é usada pela Danone para abrir novas unidades. Responsabilidade social não é fazer caridade ou relações públicas, mas sim uma plataforma de negócios.
DINHEIRO - Existem outros exemplos?
CUKIER - A Johnson&Johnson percebeu que o número de estudantes de enfermagem estava caindo vertiginosamente nos EUA. Como ela atua na fabricação de produtos de puericultura, decidiu criar um projeto incentivando, com bolsas de estudos, quem quisesse seguir a carreira.
DINHEIRO - Mas isso não significa comprar a simpatia das pessoas?
CUKIER - Nenhum desses estudantes será obrigado a consumir ou indicar produtos da Johnson&Johnson. É legítimo que as empresa zelem pela perpetuação dos mercados nos quais elas atuam. Isso também vale para o Brasil. Mais que projetos sociais, as empresas daqui precisam adotar políticas estratégicas alinhadas com seu negócio.
DINHEIRO - É nessa linha que sua empresa, a Core Social Asset Management, pretende apostar?
CUKIER - Exatamente. Além de consultoria e gestão de projetos, pretendo lançar iniciativas de marketing ligadas à causa. A primeira delas, que será tocada em termos globais, será o selo Stand Up Forest, criado para dar suporte a ações de preservação na Amazônia. Tais como bancar a compra de terras para criação de reservas, o fortalecimento de projetos locais de geração de renda e palestras de conscientização. Isso será feito com a verba obtida com o licenciamento de produtos da marca Stand Up Forest.
DINHEIRO - Mudando de assunto, como o sr. avalia a atuação da ONU e da comunidade internacional no Haitii?
CUKIER - Estamos diante de uma questão muito delicada, pois se trata de um caso clássico de building state (construção do Estado, em português) questão central no âmbito das relações internacionais. No Haiti, isso assume um contorno mais dramático porque, além dos graves problemas sociais e econômicos gerados pelo terremoto, o país está institucionalmente falido.
DINHEIRO - E a disputa de poder ajuda a agravar o quadro?
CUKIER - Na verdade, esse é um problema crônico na trajetória da ONU. Os americanos foram criticados por assumir o controle do aeroporto, mas eles eram os mais capacitados para recuperar a operacionalidade daquele equipamento de forma rápida. A ONU sempre foi refém de disputas políticas.
DINHEIRO - A atuação do Brasil na região pode alterar o modo como somos avaliados pela comunidade internacional?
CUKIER - Com certeza. Esse é um dos poucos pilares capazes de cacifar o Brasil na briga por uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Hoje, o Japão, a Índia e a Alemanha também cobiçam o posto. Só que, ao contrário do Brasil, eles têm argumentos mais sólidos para bancar suas candidaturas. O Japão é o maior contribuinte da entidade, seguido pela Alemanha. A Índia, por sua vez, tem a segunda maior população do planeta e um contingente militar enorme, que está envolvido em uma série de ações pelo mundo afora. E qual o argumento do Brasil? Só resta o bom trabalho que vem fazendo no Haiti.
DINHEIRO - Pelo lado econômico, o Brasil avançou bastante. Isso pode ajudar de alguma maneira?
CUKIER - As questões cruciais da política internacional global são decididas pela abordagem geopolítica, pela estratégia militar ou pelo uso da força. As barganhas políticas e diplomáticas são embasadas tendo a força dos exércitos como retaguarda. A posição econômica ajuda a ganhar status internacional, mas, se quisermos ser um grande jogador, temos de romper o histórico de nação pacífica.
DINHEIRO - E o Brasil dispõe de quadros políticos e diplomáticos para operar neste cenário?
CUKIER - Ainda não conseguimos construir um projeto estratégico neste sentido, com capacidade de transcender os governos. Do ponto de vista militar também não temos uma doutrina para embasar essa ambição. O Kissinger (Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA na década de 1970) dizia que não existe diplomacia sem o porrete por trás. Ou seja, sem poder de pressão e dissuasão, não seremos nunca uma grande potência mundial.
DINHEIRO - O governo Lula errou ao ser muito conciliador em questões envolvendo Bolívia, Equador e Paraguai?
CUKIER - O governo está cedendo demais. Falta maturidade aos brasileiros para entender que, independentemente da ideologia do governante de plantão, é preciso privilegiar o interesse da população. É assim que funciona em países grandes e pequenos. Se o nosso governo não defender os brasileiros, quem o fará, a Argentina? É claro que não.
Rosenildo Gomes Ferreira
Isto É Dinheiro, 05/02/10
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