Nova lógica para o investimento social privado
Projetos realizados por empresas apostam no protagonismo das comunidades como via indutora de desenvolvimento
Pensar global, agir local. A máxima do desenvolvimento sustentável tem levado empresas a repensar suas relações com diferentes públicos de interesse. Nesse contexto, tão importante quanto estabelecer diferentes canais de diálogo é reconhecer que o negócio não pode ser o principal agente de desenvolvimento.
A partir dessa ótica, o investimento social privado assume novos contornos. Mais do que ensinar, as empresas estão aprendendo a ouvir as comunidades, para contribuir de maneira efetiva com o desenvolvimento local. Realização de diagnósticos socioeconômicos para identificação de carências e potenciais, apoio no planejamento participativo e fomento à atuação em rede caracterizem as iniciativas de desenvolvimento comunitário pensadas dentro dessa lógica.
Assim, a responsabilidade social empresarial ganha dimensão estratégica não apenas porque traz benefícios de reputação e imagem para a companhia ou assegura a licença para operar. Segundo Augusto de Franco, especialista em desenvolvimento social e professor de RSE da Fundação Dom Cabral, as corporações passam a compreender que não são unidades-produtivas isoladas, mas uma comunidade de negócios formada a partir de um ecossistema. “Só há uma maneira de a empresa continuar existindo: entender que o meio não é uma ameaça, mas sim faz parte dela. A companhia deve desenvolver muitos canais de interação porque se quiser embarcar tudo o que precisa para produzir, vai falir”, ressalta.
Para De Franco, a empresa não tem condições, por exemplo, de investir sozinha em educação para desenvolvimento do seu capital humano e social. “A descoberta de que as corporações precisam investir no protagonismo da comunidade representa um salto de qualidade na responsabilidade social corporativa. As pessoas precisam adquirir novas capacidades geradas na própria comunidade e que, portanto, são permanentes”, afirma.
Dentre as armadilhas comuns no desenvolvimento de projetos sociais por empresas, De Franco destaca a tentativa de atuar de maneira isolada, correndo o risco de tornar-se um alterego do Estado e reproduzir relações de dependência. “A companhia precisa atuar de maneira integrada com o poder público, organizações da sociedade civil e outras empresas. Para que isso ocorra, têm que entender a responsabilidade social como um assunto estratégico, não podendo ser destinado ao marketing ou qualquer outro departamento específico”, ressalta.
No final das contas, as conexões locais estabelecidas pela empresa asseguram que esteja interligada ao todo. Segundo De Franco, mais importante do que dar escala às iniciativas é respeitar as diferentes realidades, desenvolver produtos, serviços e ações que expressem as dinâmicas da comunidade. “Toda grande transformação resulta da efervescência de micro mudanças. É a lógica do tipping point: temos que salvar o mundo, um instante de cada vez. Assim, a visão ética dá lugar à visão lírica, que nos diz: se queres ser universal, canta tua aldeia”.
Construção de consensos
Uma cidade voltada para as necessidades das pessoas. Essa é a proposta do Ortopólis, que em grego significa cidade ideal. A ideia do consultor Edgar von Buettner tomou forma a partir do reencontro com um amigo de faculdade, Carlos Bühler, presidente da Holcim no Brasil, que buscava uma forma de estimular o desenvolvimento local sustentável da cidade de Barroso (MG).
Em 2003, iniciou-se um processo de diálogo com a comunidade para construção da visão de futuro da cidade para 2013. “Já no primeiro encontro, reunimos representantes dos três setores da comunidade para olhar para o município como um todo, identificar problemas, construir consensos e soluções coletivamente”, afirma Juliana Andrigueto, coordenadora geral do Instituto Holcim.
A mudança comportamental de uma visão assistencialista para a de desenvolvimento sustentável consiste em um dos principais desafios do projeto devido a uma relação histórica de dependência de Barroso em relação à fábrica de cimento, instalada na cidade, em meados de 1950, pelo grupo Paraíso.
A onda de progresso gerada pela empresa não resultou na diversificação da economia. Pelo contrário, pequenas cadeias produtivas locais, como a agropecuária, foram suprimidas diante do poder de atração da companhia sobre os trabalhadores, em especial os jovens, que preferiam ser assalariados da fábrica a tocar seus próprios empreendimentos.
Na década de 90, a Paraíso enfrentou dificuldades financeiras por causa das mudanças no mercado consumidor, da automação e da pressão por maior controle ambiental. Ao ver ameaçada a continuidade do negócio a, transferiu as suas atividades à Holcim.
Ao assumir o controle da fábrica em Barroso, no ano de 1996, o grupo suíço iniciou a adaptação dos processos produtivos e de gestão em linha com padrões internacionais. A economia de Barroso, que já vinha enfraquecida, sentiu fortemente os impactos dessa mudança, sobretudo com a perda de postos de trabalho a partir automação da fábrica.
Para reverter esse quadro, a Holcim fomentou a criação da Associação Ortópolis Barroso, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que tem como principal objetivo o fortalecimento de todas as instituições da cidade. Também foi criado o Fundo Solidário de Investimento Social, por meio do qual a AOB recebe aportes do Instituto Holcim e outros financiadores.
A OAB também estimulou a criação de grupos de trabalho no setor eletromecânico, de artesanato, pecuária, reciclagem e comércio. Os participantes encontram na associação um apoio para viabilização dos seus projetos, formulação de estratégias de ação, e captação de recursos e parceiros.
Os impactos decorrentes da mobilização da comunidade já são perceptíveis na economia de Barroso. Em 2006, teve início o projeto Rumo Certo para mapeamento do comércio local e capacitação dos empreendedores. Dois anos após sua implementação, registrou-se um aumento médio de 64% no faturamento dos empreendimentos e 20% no crescimento dos empregos.
Segundo Juliana, do Instituto Holcim, o grande desafio de agora em diante é mobilizar mais participantes, sobretudo os jovens. “A questão da sucessão nos negócios é crucial. Muitos jovens saem de Barroso para estudar e acabam não retornando. Buscamos ferramentas de comunicação adequadas para aumentar a visibilidade do projeto e com isso atrair cada vez mais as novas gerações”, ressalta.
Redes sociais
“Buscávamos uma forma de estimular o desenvolvimento local, sem fazer filantropia e encontramos essa resposta junto a comunidade”, afirma Eliane dos Anjos, gerente de sustentabilidade da Veracel.
O projeto contempla os municípios de Barrolândia, Boca do Córrego, Santa Maria Eterna, Belmonte, Ponto Central, Santa Cruz Cabrália, Mascote, Guaratinga, União Baiana e Itagimirim, todos na Bahia, somando cerca de 400 mil habitantes.
Segundo Eliane, essa experiência proporcionou grande aprendizado para a empresa. “Aprendemos, primeiramente, que nenhum município é igual ao outro. Também compreendemos a importância de exercitar a humildade, respeitar o conhecimento local e o ritmo de cada comunidade”, destaca.
Cada município decide suas estratégias de ação. Da Veracel, eles recebem capacitação técnica e apoio para captação de financiadores.
Para Elaine, o grande fator de sucesso do projeto é o envolvimento dos diferentes atores da comunidade. “A empresa não pode ser prepotente. Deve ter a capacidade de ouvir e atrair novos parceiros. Somente a soma de experiências e esforços possibilita a construção de um tecido social para sustentação do projeto”, ressalta.
Legado de conhecimento
Possibilitar condições para que as comunidades sejam capazes de protagonizar o seu próprio desenvolvimento, no longo prazo, quando a mineração não estiver mais presente. Essa é a principal diretriz da nova estratégia de responsabilidade social da Vale. A implementação de unidades da Estação Conhecimento – Núcleo de Desenvolvimento Humano e Econômico no Sudeste do Pará faz parte desses esforços.
Constituídas como Oscips, essas organizações têm como missão mobilizar a comunidade em torno de soluções que estimulem o desenvolvimento local. Para tanto, contam com os diagnósticos socioeconômicos - elaborados por uma equipe multidisciplinar contratada pela Vale, a partir do cruzamento de uma série de dados estatísticos e de um processo de consulta pública junto a comunidade.
O programa aposta na formação de profissionais para promover o desenvolvimento em três frentes: físico, com esporte de alto rendimento (atletismo, judô, futebol e natação); emocional por meio da cultura (teatro, dança, música e artes); e intelectual, com base na qualificação profissional. Na perspectiva econômica, a Estação apoia a organização da produção em escala empresarial, oferecendo orientação técnica para melhoria da qualidade e padronização da produção.
Segundo Silvio Vaz, diretor-presidente da Fundação Vale, a Estação Conhecimento amplia o conceito da escola tradicional porque trabalha com a visão de desenvolvimento humano e econômico da sociedade integrada ao mercado.
“Nosso objetivo é deixar um legado institucionalizado e sistematizado para a comunidade local. Para isso, instalamos Núcleos de Desenvolvimento Humano em um esforço de pensar a escola fora da caixa, para que se transforme em pólo de conhecimento, participando do desenvolvimento da sociedade”, afirma Vaz.
Fatores-chave para projetos de desenvolvimento comunitário
-Estimular a organização da comunidade em redes sociais;
-Elaborar estudos socioeconômicos para conhecer as necessidades e potenciais da comunidade;
-Buscar parceiros junto ao poder público, setor privado e sociedade civil;
-Estabelecer diferentes canais de diálogo com a comunidade;
-Desenvolver as capacidades locais para que a comunidade assuma a gestão do projeto no longo-prazo.
Idéia Sustentável, 30/06/09
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