Movimento avança, mas provoca poucas mudanças
A Conferência Internacional do Instituto Ethos, realizada entre os dias 15 e 18 de junho, chegou ao fim com a conclusão de que o movimento de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) mudou o setor privado brasileiro. No entanto, as transformações motivadas pelas conquistas ainda são muito pequenas, pois “ainda não entraram no coração dos negócios”.
“Temos pouca participação cidadã. Ainda buscamos melhorar a qualidade de vida pelo caminho individual e não construindo bens públicos”, afirmou o vice-presidente do Ethos, Paulo Itacarambi. Para ele, é difícil identificar quais produtos e serviços são realmente produzidos de forma responsável e sustentável, pois há lacunas de informação e de visão aprofundada sobre os custos e benefícios das mudanças necessárias.
Debates
Já no primeiro dia de evento, foi distribuído aos participantes um apontamento para reflexão. Nele, havia indicações sobre o contexto da RSE no país, com uma análise de situação (retrospectiva dos últimos anos e tendências para os próximos 10 anos) e uma proposta de estratégias para o Instituto Ethos – e para todo o movimento – daqui para frente.
Pelo texto, é possível encontrar que a preocupação com a sustentabilidade aumentou de uma forma geral, nas diferentes instâncias ou stakeholders: consumidores, academia, mídia, ONGs, sindicatos e órgãos públicos. Também mostra conquistas, como uma maior cidadania corporativa – em que assinaturas de pactos contra corrupção e trabalho escravo são exemplos de destaque – e adesões a modelos de gestão mais sustentáveis.
Esse documento é importante, pois nele estão as constatações que mais tarde seriam detalhadas nas plenárias, mesas de debate e oficinas realizadas nos quatro dias de atividades. Embora não houvesse indicação para servir de guia, o apontamento pode ser lido como um texto transversal a tudo o que se disse durante a conferência.
Ao falar dos fatores limitantes ao movimento de responsabilidade social das empresas no país, o documento constata que “o mercado ainda não desenvolveu mecanismos de premiação ou penalização dos produtos e comportamentos das empresas”.
O tema foi amplamente debatido pelo representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Arab Hoballah, palestrante do encontro. Segundo ele, cabe à sociedade mudar o atual modelo de produção e consumo.“Não tem como questionar, são dados verídicos e preocupantes (sobre o esgotamento de recursos naturais) e devemos nos envergonhar por isso. Aspectos como degradação, poluição e pobreza são desafios a serem vencidos pela humanidade”, observou.
Hoballah destacou que é preciso união de sociedade, empresas e governos para que o atual modelo capitalista de consumo sofra uma profunda transformação. “Podemos falar que há 40 ou 50 anos a questão produção era primordial, não se discutia consumo. Isso está mudando; hoje temos de decidir, ou vivemos ou nos destruímos”, alertou.
Já o economista inglês Simon Zadeck moderou uma conversa sobre as perversidades do atual modelo econômico-financeiro. “Será que esta crise é suficientemente forte e profunda para nos levar às mudanças que realmente queremos ver?”, questionou.
Para ele, o caminho é sobrepor as raízes comuns da crise econômica e ambiental e, então, apontar suas saídas. “É um grande erro imaginar que as crises cíclicas poderão trazer mudanças na direção que todos esperamos”.
O colapso de algumas empresas, na opinião do inglês, é inevitável. Elkington acha que é tempo de a economia se refazer com a ajuda dos empreendedores que trabalham as inovações sociais – “precisamos de algumas condições para as mudanças de longo prazo, ou seja, a sustentabilidade”.
Stakeholders
O apontamento também alerta para a falta de exigência dos cidadãos, assunto tratado durante a oficina de gestão “A transformação do consumidor para uma nova economia global”, ministrada por Hélio Mattar, presidente do Akatu.
Nela, o empresário apresentou resultados de pesquisas sobre o perfil do consumidor atual, no qual 46% dos consumidores acreditam que as empresas que fazem algo pela sociedade e pelo meio ambiente estão praticando greenwashing. Isto é, fazem ações meramente cosméticas sem uma real intenção de transformação social. “Isso é muito grave”, considerou.
Sobre o governo, o texto mostra simplesmente o seguinte: “o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável ainda não ganhou relevância no sistema político nacional. Os projetos políticos focam apenas o crescimento econômico como estratégia de desenvolvimento”.
“Crescer por crescer é a filosofia do câncer”, afirmou o economista Ladislau Dowbor. Já Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo, afirmou sentir pouca esperança sobre o protagonismo do Estado a respeito de qualquer mudança em prol da sustentabilidade.
Regulamentação
Também foi discutido a falta de regulação no setor, que atravanca processos e impede o estabelecimento de padrões mínimos “indispensáveis ao desenvolvimento sustentável”. Exemplo? A roda de diálogo “Oportunidades geradas pela busca por uma matriz energética sustentável”, cuja conclusão foi: a energia eólica só avança no Brasil pela falta de um marco regulatório sobre essa atividade.
“Do dia para a noite a regulação muda ou cria-se uma regra nova”, ressalta Luis Pescarmona, diretor geral da IMPSA, empresa argentina que atual no setor, e que participou da roda. IMPSA já atua em diversas regiões do Brasil e, segundo o seu diretor, tem obtido resultados muito positivos, não apenas nos seus resultados em termos de produção de energia, como também no que se refere ao nível de desenvolvimento das comunidades em que está presente.
Conclusões
As extensas e intensas discussões travadas durante os dias de evento, somadas ao apontamento, foram imprescindíveis para a atividade final da Conferência. Divididos em pequenos grupos, os participantes (quase mil pessoas) avaliaram o passado e futuro do movimento e apresentaram sugestões ao instituto.
Entre as idéias, destacaram-se o diálogo maior com os dirigentes, o engajamento das pequenas e médias empresas, além de uma visão mais nacional das iniciativas do movimento, aumentando sua capilarização para além de São Paulo. Também foi comentado que falta articulação multissetorial e um diálogo mais estruturado com o governo.
Paulo Itacarambi assegurou que o planejamento das ações futuras do Instituto levará em conta as sugestões apresentadas pelos participantes e propôs a criação de um núcleo gestor, para definir uma agenda de ação, ligada a um fórum permanente de diálogo.
“Sem uma agenda que impacte efetivamente os problemas centrais do desenvolvimento sustentável, o movimento pela RSE e sustentabilidade pouco contribuirá para a construção de uma sociedade sustentável e justa”, disse ele.
O entusiasmo para falar e participar foi grande na plenária e o processo de consulta vai continuar na web, por meio de uma rede interativa de participação livre e gratuita a todos os interessados. “Sentimos a necessidade de trazer toda a comunidade preocupada com a sustentabilidade para esta construção”, reforçou Sérgio Mindlin, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto . Para se cadastrar na rede, acesse: http://internethos.ning.com/.
Veja cobertura completa do evento realizada pela Agência Envolverde.
redeGIFE Online, 20/06/09
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