O "chato do hospital"
Prata, na UTI do Hospital de Câncer de Barretos. No detalhe, ele e a apresentadora Xuxa com pacientes da ala infantil da instituição
Fotos Divulgação e Manoel Marques
O pecuarista Henrique Prata não se cansa de pedir dinheiro a políticos, artistas e empresários para manter aberto seu hospital. E, assim, ajuda milhares de pessoas
O paulista Henrique Prata, de 55 anos, tinha tudo para ser mais um típico milionário do agronegócio. Ouve música sertaneja, veste-se com calças jeans justas, dirige caminhonetes enormes e adora desfilar suas botas de couro de crocodilo por rodeios Brasil afora (tem doze pares, todos comprados em Dallas, no Texas, por 1 500 dólares cada um). Começou a fazer fortuna ainda menino, quando largou os estudos, aos 15 anos, para se dedicar à pecuária numa fazenda que ganhara do avô. Com criações de gado e cavalos de raça, já amealhou um patrimônio de 50 milhões de dólares. Mas Prata é diferente da maioria de seus colegas do campo. Apesar da riqueza, vive batendo à porta dos gabinetes de Brasília atrás de dinheiro. A boa notícia para os contribuintes é que ele não procura recursos públicos para botar no próprio bolso, e sim para manter aberto um hospital. Mais precisamente, o Hospital de Câncer de Barretos, localizado no interior paulista. Graças a seu empenho, a instituição se tornou o maior centro de tratamento de câncer do país – e uma esperança para milhares de pessoas que não têm a quem recorrer.
"Em Brasília, ninguém me suporta. A maioria dos políticos, quando me vê, diz: ‘Ih, lá vem aquele chato do hospital outra vez’. Sou chato mesmo, admito. Quando vou a um gabinete, só saio depois de conseguir algum dinheiro para os doentes", diz Prata. A obstinação e a chatice dele valem cada centavo. Diariamente, o hospital do qual ele cuida atende 2 000 pessoas – e não cobra nada por isso. Os pacientes chegam de todos os estados, em ônibus, vans ou ambulâncias. Pobres em sua esmagadora maioria, sem plano de saúde para pagar pelo tratamento, todos são atendidos por médicos de alto nível, que trabalham em regime de dedicação exclusiva (coisa rara no país) e têm à sua disposição equipamentos de última geração para fazer diagnósticos e realizar tratamentos. Recebem alojamento, refeições e muito respeito. "Aquilo é filantropia para valer. O hospital é muito bom", chancela o governador de São Paulo, José Serra, ex-ministro da Saúde, que há tempos colabora com Prata.
Uma pequena história ilustra como funcionam as coisas por lá: a da cabeleireira Porfíria Oliveira, de 33 anos, que mora em Vilhena, Rondônia. Em fevereiro, ela viajou por três dias até Barretos, em busca de auxílio. Precisava retirar um tumor de 4,5 centímetros no cérebro. Havia seis meses, sofria com dores de cabeça fortíssimas e começara a perder a visão. Sua cirurgia estava orçada em 60 000 reais. "Logo que eu e minha mãe chegamos, fomos para um alojamento ao lado do hospital, com cama, banheiro e três refeições diárias. Durante um mês, fiz exames. Depois disso, marcaram a operação. Graças a Deus, correu tudo bem." Porfíria recuperou a visão, livrou-se das dores de cabeça e descobriu que o tumor, felizmente, era benigno. "Em outro lugar, não teria conseguido me tratar." Ela deve ter alta nos próximos dias e pegará um ônibus de volta para casa, para reencontrar o marido e os dois filhos. As passagens foram seu único custo.
O trabalho de Henrique Prata, que possibilita que Porfíria e tantas outras pessoas sejam atendidas, começou há vinte anos. O hospital que ele comanda havia sido fundado por seu pai, Paulo, um médico oncologista. "Na época, eu vivia só para as fazendas, mas descobri que meu pai estava em dificuldades. O hospital, que era pequeno, dava prejuízo todo mês." Para evitar uma sangria no patrimônio familiar, ele assumiu a administração. "Tinha um plano claro: sanear as dívidas e fechar as portas do hospital." No entanto, ao conhecer o trabalho de perto, decidiu tentar salvar o sonho do pai. Equilibrou as contas e, em seguida, pediu a quarenta amigos pecuaristas que doassem 10 000 dólares cada um para construir a nova sede. Todos ajudaram. "Percebi que se me dedicasse ao hospital conseguiria mantê-lo aberto e ampliá-lo para atender mais gente. Como já estava estabilizado na vida, passei as fazendas para meus filhos e comecei a tratar disso", diz Prata.
A estrutura montada por ele consome, hoje, 11 milhões de reais por mês. Desse total, 7,5 milhões de reais vêm do Sistema Único de Saúde. O resto é coberto com as verbas extras que Prata arranca todos os meses de políticos e com doações de empresários e artistas. "Para ajudar o hospital, faço quantos shows o Prata pedir", diz o cantor Leonardo, um parceiro antigo. "Visitei o hospital e vi quantas famílias são beneficiadas. É algo muito especial. Tenho a sorte de poder ajudar", emenda a cantora Ivete Sangalo. Outra que sempre coopera, e eventualmente até aparece no hospital para animar os pacientes, é a apresentadora Xuxa. "Quem dera tivéssemos mais chatos como Henrique Prata no Brasil", diz ela.
Sandra Brasil
Veja, Edição 2110, 29/04/09
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