Empreendedores sociais latino-americanos crescem em meio à crise
Contrariando a maré, para grande parte dos empreendedores sociais nomeados pela Fundação Schwab na América Latina, a atual crise econômica mundial pouco ou nada influiu em seus projetos variados. Em alguns casos, ao contrário, tem sido vista como oportunidade de fechar novas parcerias e expandir a atuação.
É o que tem vivenciado a Empreendedora Social 2006 do Chile, Macarena Currin, líder da Fundação Rodelillo, entidade que ajuda famílias a transformar histórias de pobreza e dependência em narrativas de oportunidades e autoconfiança por meio de uma metodologia própria aplicada aos beneficiários em 18 meses.
"Para a Rodelillo, a crise tem sido uma oportunidade, pois agora tenho mais empresas entre os clientes de meus negócios sociais, pois se deram conta de que não basta construir um sonho para o trabalhador, já que o que o sustenta é a família", conta.
Neste momento de crise, emenda Macarena, muitas empresas têm assumido com veemência que têm de se salvarem como uma grande comunidade, não apenas como um negócio. "Estou agora trabalhando com muitas corporações que me pediram para implementar o modelo Rodelillo para o segmento de trabalhadores com menores ingressos", reitera.
A também Empreendedora Social 2006 Marcela Benitez, da Argentina, é outra que se beneficiou do cenário atual. Fundadora do Responde (Recuperação Econômica e Social de Povoados Rurais e Nacionais sob Risco de Desaparecimento), que busca o "empoderamento" de habitantes do meio rural em prol de seus futuros, Marcela afirma que nenhum patrocinador deixou de apoiá-la e, "ao contrário, apareceram outros".
"Talvez no começo da crise algumas empresas que iam aportar recursos no Responde decidiu aguardar um tempo. Mas a verdade é que seus investimentos sociais são pequenos em comparação com a grande diferença que causamos na vida das pessoas", considera.
Geógrafa e socióloga, Marcela aponta ainda um fator extra para superar as dificuldades atuais: o profissionalismo. "Diferentemente das organizações assistencialistas, apresentamos projetos de um ano ou um ano e meio com cotas de patrocínio, objetivos, medidas e prazos. Somos vantajosos para elas na hora de decidirem onde aplicar os investimentos de responsabilidade social."
Para a chilena Veronica Abud, eleita Empreendedora Social no ano passado, o fato de trabalhar com empresas grandes com a cultura de responsabilidade social arraigada e que apresentam projetos no longo prazo --cinco anos-- é um diferencial. Ela diz acreditar que se trata de uma boa oportunidade para um de seus programas, o Biblioteca Viva, que leva centros de leitura e lazer para shopping centers espalhados pelo Chile. "Mais pessoas deixarão de frequentar os centros comerciais em busca de consumo frenético e, ao mesmo tempo, procurarão formas gratuitas de entretenimento. Encontrarão, então, no livro, um prazer permanente."
Veronica é mentora da Fundação La Fuente, que estruturou um programa para criar bibliotecas escolares, públicas e móveis voltadas às crianças e à comunidade.
Apesar de não ter passado incólume um de seus projetos, financiado pelo Citibank, foi encerrado, não se deu por vencida. "Nesse caso específico, já sabíamos que iria acabar e fui começando outras frentes. Acredito que, quando avistamos um problema, temos automaticamente que encontrar a solução. Não podemos depender somente de um fio, é preciso ter muito foco, tipos variados de financiamento, enfim, é fundamental estar permanentemente com os olhos abertos", explica.
Marta Arango, Empreendedora Social 2008 da Colômbia, faz coro: "Eu sou uma otimista e acredito que esta crise nos levará a tomar consciência dos erros cometidos, de modo que passaremos a focalizar melhor os recursos. O fato é que ainda não sentimos seus efeitos".
Marta criou, há 32 anos, o Cinde (Centro Educacional para o Desenvolvimento Humano e a Educação), que desenvolveu metodologia adaptada em 27 países com foco em crianças, de forma a atrair famílias, comunidades e instituições ao oferecer um ambiente para um desenvolvimento físico e psicológico saudável .
Um dos braços de seu projeto é a formação de educadores em cursos de mestrado e doutorado especializados em infância. "Poderíamos ter sentido diminuição nas matrículas de estudantes em nossos programas de formação avançada em razão da crise; entretanto, a procura cresceu", comemora.
Ambiente inseguro
Nem todos, porém, estão vivenciando essa onda de otimismo. Também eleito Empreendedor Social 2008 pela Colômbia, Martín von Hildebrand pontua: "A crise já teve sério impacto".
Responsável pela FGA (Fundacão Gaia Amazonas), Martín conta que várias empresas financiadoras de seus projetos estão receosas de investir em novas iniciativas. "Dizem que vão manter o que já estão financiando, mas que não têm dinheiro para expansão de portfólio."
A Fundação Gaia busca assegurar a proteção de 40 milhões de hectares da floresta amazônica colombiana com a criação de áreas protegidas, autogeridas por seus habitante nativos --os que melhor conseguem garantir sua preservação.
O maior temor, diz Martín, é que os programas ambientais sejam considerados não prioritários em tempos de recursos escassos, perdendo espaço para projetos na área de alimentação, moradia e desenvolvimento. "É um erro. É essencial neste tempo de crise financiar melhorias ambientais, pois o que visamos é exatamente a sustentação da vida humana."
Indagado sobre a visão de que o momento traria oportunidades de mudança, o empreendedor rebate: "Nós temos de mudar a forma como obtemos financiamentos, e a crise traz essa oportunidade, mas é um pensamento esperançoso apenas. Ainda não vimos isso acontecer, por mais de desejemos e, da forma como estamos agora, o que testemunho é o corte de patrocínio dos parceiros em geral".
Cássio Aoqui
Patrícia Trudes da Veiga
Folha Online, 16/04/09
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