Qual a sustentabilidade que lhe toca?
As últimas eleições mobilizaram corações e mentes de muitos brasileiros. Passado o turbilhão eleitoral, a vida continua e, infelizmente, muitos só vão voltar a se preocupar com a política daqui a quatro anos. Para outros, muito mobilizados pelas causas sociais e ambientais, mas pouco afeitos a acompanhar o jogo político, percebido na maioria das vezes como “briga de cachorro grande”, cheia de manhas e tramas, os debates políticos nas cidades pouco importam.
No entanto, de que vale ser sintonizado com o consumo consciente e não pensar no futuro do lugar no qual se vive? De que vale cobrar transparência de empresas que causam impacto ambiental e social, quando não se demanda transparência daqueles que governam a cidade? Para muitos leitores, essas colocações podem parecer absurdas, pois a consciência socioambiental não teria limites entre o público e o privado, o estatal e o empresarial, o individual e o coletivo. No entanto, é com pesar que reconheço que esses limites existem, para o conforto de muitos ambientalistas e ativistas sociais de final de semana, extremamente afeitos a cobrar e responsabilizar gregos e troianos pelos problemas que enfrentamos na sociedade e no meio ambiente, mas pouco propensos, consciente e inconscientemente, a enxergar a trave em seus próprios olhos.
Agora, com a posse dos novos prefeitos e câmaras legislativas municipais é que começam realmente os desafios socioambientais. É a hora de fazer política, sem necessariamente recorrer aos partidos políticos, mas fazer política com o “p” maiúsculo que essa expressão carregava quando apareceu pela primeira vez entre os gregos: viver na polis, na cidade. Viver, conviver e debater os grandes temas que importam à sustentabilidade nas cidades.
Os céticos ainda podem argumentar que, fora dos eixos dos grandes municípios brasileiros, pouco ou nada há de relevante para se discutir e fazer. Ledo engano. Sem querer negar a importância e a força dos grandes municípios, cabe também colocar cada coisa em seu lugar. Existem milhares de cidades no Brasil e são nelas, e não apenas nos grandes centros urbanos, que vivem os brasileiros. Dados do IBGE demonstram claramente a tendência de crescimento mais acelerado das médias cidades brasileiras do que dos grandes núcleos urbanos.
Além disso, qualquer pessoa minimamente iniciada nos dilemas do desenvolvimento sustentável, ou seja, que sabe dos problemas e desafios da sustentabilidade e não apenas a enxerga como solução mágica para tudo e todos, também compreende que é no local que se constroem as soluções sustentáveis. Isso é o que Edgard Morin chama de desenvolvimento endógeno, aquele construído a partir das alternativas de cada comunidade, com seu estilo próprio de vida rumo ao uso sustentável do seu patrimônio natural, social, econômico e cultural.
Mas, a democracia profunda, que ainda estamos por construir no Brasil que comemora 20 anos de sua “Constituição Cidadã”, também não é nada fácil de ser conquistada. Aqui cabe o cuidado de driblar os “neochatos” autocráticos de plantão, que sempre encontram algum argumento para criticar processos de construção do desenvolvimento sustentável que são mais ousados em termos democráticos. Demora excessiva, conflito ampliado, incapacidade operacional e outras tantas críticas se somam no rol dos tecnocratas do desenvolvimento sustentável, que nunca admitem isso publicamente, mas quando constroem seus planos mirabolantes de salvamento do mundo sempre voltam à baila em suas mentes, do alto de seus escritórios nas grandes empresas, organismos internacionais, governos centrais e ONGs globais. Por isso é que também já faz quase vinte anos que o genial artigo “Sustainable Development: a critical review” de Sharachchandra Lélé, publicado no World Development, apontava para as armadilhas de um desenvolvimento sustentável participativo, implementado sobretudo na África, que confundia descentralização de responsabilidades com participação comunitária, socializando problemas e centralizando recursos e capacidades.
Como destaca Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia política na USP, temos 2000 anos ou mais de experimentalismo autoritário e apenas 200 anos de vivência democrática mais fundamentada, pois o ideário democrático grego nunca foi tão inclusivo quanto poderíamos pensar, além de ter sido esquecido durante séculos, até ressurgir, ressignificado, nas revoluções americana e francesa.
No caso dos municípios brasileiros, a descentralização remonta também à “Constituição Cidadã”. Mas, bem distante do pessimismo desinformado que faz a cabeça da classe média brasileira, há excelentes experiências municipais e locais brasileiras, que são verdadeiros exemplos da sustentabilidade possível e que, até antes de acontecerem, eram tidas como impossíveis por muitos. Em todas essas localidades um elemento sempre se destaca: o engajamento dos cidadãos para além de suas obrigações eleitorais. Alguns podem dizer: mas já faço a minha parte ao consumir. O reflexo do comodismo eleitoral (o simples ato de votar) no mercado é o consumo consciente, tomado como mudança individual de hábitos rumo ao uso racional dos recursos naturais.
Assim, caro leitor, chegou a hora de saber se a sustentabilidade que lhe toca é apenas essa da poltrona confortável na qual lê a Plurale ou é aquela que está viva nas ruas, seja através de um catador de recicláveis que se organiza em cooperativas, da dona de casa que decide ir além do simples ato de trocar a sacola plástica pela de pano, criando um movimento de consumo responsável ou dos cidadãos que decidiram acompanhar de perto as ações de seus governantes, através do conselho municipal de meio ambiente. Qual a sustentabilidade que lhe toca com a posse dos novos gestores públicos municipais?
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
Professor da PUC Minas e Faculdade ASA de Brumadinho. Doutorando em Administração de Empresas pela EAESP/FGV, Mestre em Ciências Sociais (Gestão de Cidades) pela PUC Minas e graduado em Ciências Econômicas pela UFMG. Pesquisador especializado em Gestão Social e do Meio Ambiente, integrante do NUPEGS/PUC Minas, do Núcleo de Estudos do Meio Ambiente da EAESP-FGV e do grupo de pesquisa "Emancipação e Cidadania" da PUC RS.
Envolverde,06/12/08
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.
Nenhum comentário:
Postar um comentário