Organizando a casa
Em meados de 2008, um pequeno abrigo na região metropolitana de São Paulo apresentava uma situação dramática: seu único doador deixara de apoiar financeiramente a instituição. Para agravar o quadro, diversas funções administrativas da instituição que eram prestadas pelo antigo doador foram canceladas.
A presença prolongada do único doador para prover a instituição a deixou acomodada, sem a necessidade de procurar novas fontes de recursos. Essa situação emblemática é mais do que comum: vários articulistas e autores recomendam a diversidade de fontes de receita para poder diluir os riscos à sustentabilidade financeira das organizações. Assim, se houver a perda de alguns doadores, a instituição permanece funcionando. O problema imediato era como buscar outras fontes de recursos, pois não existia na instituição quem soubesse como fazer a captação deles.
Primeiros passos
A primeira providência foi escolher uma pessoa da própria instituição que apresentasse potencial para enfrentar o desafio. Capacitações foram realizadas por meio de cursos gratuitos, o que possibilitou uma visão panorâmica inicial da captação de recursos.
O segundo passo foi divulgar o trabalho da instituição, o que levou à criação de um novo logotipo. Surgiu, assim, uma parceria com alunos de webdesign de uma escola técnica estadual situada na cidade.
O resultado dessa parceria foi um estudo gratuito, completo e personalizado feito com qualidade, envolvendo vários aspectos da comunicação institucional como logotipo e suas fontes, papelaria, cartão de visitas e um site mais interativo. Bom para a instituição, que ganhou identidade visual, e imprescindível para os alunos, que apresentaram o trabalho na sua conclusão de curso.
O coração da ação
No processo de elaboração da captação de recursos, um dos documentos escritos mais importantes é a elaboração do case statement ou, simplesmente, caso. Esse método permite uma visão completa da instituição, facilitando a participação nos editais (públicos ou privados) e a captação de recursos com empresas e doadores individuais.
Os principais elementos que compõem o caso são: visão, missão, objetivos de longo e curto prazo, situação jurídica, público atendido, localização, descrição dos programas/projetos, estrutura organizacional e finanças.
Em todas as organizações os elementos mais intangíveis, como a visão e a missão, podem ser de difícil compreensão, e por isso mesmo o uso de comparações é bem-vindo. No caso, a visão é o porto, ou seja, o destino final que a organização quer alcançar, e a missão é o tipo de barco que a organização representa.
O importante na elaboração da visão e da missão é que, ao desenvolvê-las, inicia-se a construção da confiança autêntica, ou seja, de acreditar em uma possibilidade generosa para o futuro envolvendo pessoas.
Os autores Robert Solomon e Fernando Flores afirmam que “confiar modifica tanto a pessoa em quem se confia como a pessoa que confia” (construa confiança nos negócios, na política, na vida). Assim, confiar é uma escolha sobre aquilo que realmente importa: criar, manter, aprofundar e restabelecer relacionamentos. Esta é lista que importa à captação de recursos.
Colocando em prática
O captador de recursos precisa de projetos, produtos ou serviços concretos para elaborar a captação, e o problema consiste em separar os projetos daquilo que são apenas cartas de intenções. Uma sugestão prática inicial é separar todos os “candidatos a projetos” que têm algo a entregar; pode ser um produto ou um serviço bem descrito, incluindo preços e prazos.
Feita a seleção inicial, é necessário detalhar as ações realizadas, estabelecer a sua sequência racional e encontrar os fundamentos do projeto, ou seja, quais as bases teórica e metodológica para aquilo que está sendo executado. Não existe atalho, o essencial é conversar com quem executa o projeto e pesquisar para entender.
São motivos como esses que demonstram que é mais eficiente “desenvolver” um captador de recursos em potencial, que já faz parte da instituição e conhece sua história, programas, projetos etc.
No caso da organização citada acima, os aspectos metodológicos dos programas foram sanados com parcerias de técnicos de outras instituições, o que promoveu uma troca de conhecimento muita rica, além de novas possibilidades de projetos em conjunto.
O entendimento das atividades, projetos e programas tornou possível detectar uma série de situações importantes, tais como questões de ordem trabalhista que foram apontadas e posteriormente sanadas, até o próprio estatuto da instituição, que foi refeito para ampliar as possibilidades de captação de recursos.
Orçamentos
Outra constatação frequente é a falta de experiência na elaboração de orçamentos, fato que resulta em despesas imprevistas e cria uma instabilidade financeira na instituição, além de gerar uma falta de recursos imediata para cumprir com os projetos em andamento.
A elaboração de um orçamento pede o conhecimento integral de todas as etapas do projeto. Só assim é possível levantar todos os custos diretos e indiretos, principalmente na área trabalhista. Um exemplo comum é a contração em regime CLT sem previsão de custos demissionais após o término do projeto.
No caso citado, a construção dos orçamentos ajudou a conscientizar os funcionários sobre as despesas reais com os projetos. A organização dos mesmos permitiu uma maior previsibilidade nos gastos da instituição e, portanto, orçamentos mais precisos.
A criação de um setor de captação profissional, competitivo e transparente contribuiu para a reestruturação da instituição e de sua gestão. Os resultados foram a conquista de novas empresas doadoras, a participação em editais e o retorno do antigo doador, cativado pelo esforço, competência e profissionalização da instituição.
Pedro Adam
Vice-presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), consultor nas áreas de captação de recursos e elaboração de projetos sociais. Mestre em Administração pela PUC/SP, advogado e professor universitário.
Revista Filantropia On-line - nº217, 20/10/09
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