Público da Campus Party fica de costas em protesto contra “Lei Azeredo”
Usuários usam frases em notebooks para protestar contra projeto de lei sobre crimes na internet
Participantes da Campus Party, evento de tecnologia que acontece em São Paulo, ficaram de costas e em silêncio nesta sexta-feira (23) para protestar contra o projeto de lei que enquadra crimes cometidos pela internet, aprovado pelo Senado no ano passado e que tem o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) como relator.
O ato aconteceu ao fim de um debate sobre o assunto, com participação de José Henrique Santos Portugal, assessor de Azeredo. Também participaram da mesa o desembargador Fernando Botelho, o sociólogo Sérgio Amadeu, diretor de conteúdo da Campus Party, e Ronaldo Lemos, professor de direito da Fundação Getulio Vargas no Rio.
Portugal e Botelho tiveram muita dificuldade para apresentar seu ponto de vista sobre o projeto, sofrendo intensos protestos dos “campuseiros” – a maioria dos expectadores era contra o projeto. Organizadores da Campus Party, como o diretor do evento, Marcelo Branco, também são contrários à matéria.
Os manifestantes exibiam narizes de palhaço, faixas, camisetas e um autêntico protesto “geek”: notebooks com frases, que eram alteradas de acordo com o que era dito pelos defensores.
Referência internacional
Portugal abriu a discussão argumentando que países signatários da Convenção de Budapeste, documento internacional sobre crimes na internet, já possuem legislações semelhantes.
Em tramitação desde 2003, o projeto altera seis leis e cria dez novos tipos penais. Entre eles, estão crimes de estelionato eletrônico (como roubo de senhas para ter acesso a contas bancárias), divulgação indevida de informações, difusão de vírus e atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública. A pena para os crimes varia de um a três anos de prisão, na maioria dos casos.
“O projeto se inspira na legislação do Conselho Europeu [de Budapeste], com 44 países que assinaram. Em 22 países, o tratado já está vigorando”, afirmou o assessor. Portugal acrescentou que, nos EUA, país em que se encontram os grandes provedores, a lei vigora desde o dia 1º de janeiro de 2007. “Mas o Brasil não é signatário”, afirmou.
Em seguida, ele ressaltou os benefícios que a lei pode trazer, como a penalização do acesso ilegal a computadores e dados ou atentados a servidores públicos e de segurança. Por diversas vezes, foi vaiado ou houve tentativa de interrupção da sua fala.
Regulamentação necessária
O desembargador Botelho, que auxiliou na redação do projeto de lei, abriu a participação na mesa classificando o debate como “uma discussão acertada, genuinamente democrática, com especialistas em tecnologia”.
Botelho afirmou que “dizer que não há necessidade de regulação [da internet] é preocupante, pois crimes autorais de software são realidade. O direito penal tem que educar preventivamente. É preciso de uma disciplina que eduque para a punição”.
Essas afirmações geraram protestos por meio dos notebooks, nos quais se lia: “O Rly?” ['Oh, really?', expressão que expressa sarcasmo, bastante usada entre internautas]” e “Disciplina Ditaturativa” [sic].
Crime no iPod
Ronaldo Lemos, professor da Fundação Getulio Vargas, reiterou seu raciocínio de ontem, em defesa de uma legislação civil para o internauta, que preceda a legislação penal.
“O direito penal é aplicado quando todo o restante dá errado. O projeto de lei se inspira na Convenção de Budapeste, mas os países que adotaram o acordo já tinham regulamentação civil para a internet. Os EUA, por exemplo, adotaram parcialmente o que foi tratado”, afirmou.
Segundo Lemos, uma simples troca de arquivos via iPod já tipificaria o enquadramento pelo artigo 285-a, que prevê de um a três anos de prisão.
O sociólogo Sérgio Amadeu, por sua vez, classificou a redação do projeto de lei como “absurda”. “Se o usuário transferir uma música de um podcast para um CD, já viola a lei”, afirmou. “A RIAA [Associação de Indústria Fonográfica da América, sigla em inglês] processa, atualmente, 18 mil adolescentes nos EUA. Não podemos concordar com essa redação.”
O mais preocupante, de acordo com Amadeu, é o artigo 22, que determina aos provedores a manutenção dos dados de conexão. “Ou seja, universidades com milhares de acessos terão que guardar dados. A lei não irá punir o criminoso, ao contrário. A lei é um atraso”, disse ele, sob aplauso intenso dos espectadores.
Com relação aos provedores de acesso, o projeto cria quatro obrigações: manter por três anos dados de endereçamento eletrônico de origem, hora e data da conexão; preservar, após requisição judicial, informações requisitadas; e informar em sigilo à autoridade competente denúncia que tenha tomado conhecimento e que contenha indícios de crime.
A multa para o provedor que não cumprir as determinações da lei varia de R$ 2.000 a R$ 100 mil.
Publicado por José Murilo
Ministério da Cultura, 23/01/09
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