terça-feira, 14 de outubro de 2008

Thais Corral: educação para sustentabilidade é mais que uma disciplina, é uma nova forma de estar no mundo

Thais Corral: educação para sustentabilidade é mais que uma disciplina, é uma nova forma de estar no mundo

Confira entrevista com a especialista em comunicação social e liderança, membro do Conselho Consultivo do Akatu, que há anos vem trabalhando com questões relacionadas a gênero, desenvolvimento sustentável, governança local e global.

O termo ‘sustentabilidade’ vem ganhando força. Profissionais das mais variadas áreas procuram especialização. Empresas, escolas, faculdades, instituições e governo tentam entender o que é, para que serve e como implantá-la de fato. A questão é complexa e existem profissionais que já estão envolvidos nisso há muitos anos.

Este é o caso de Thais Corral, que vem trabalhando com temas relacionados a sustentabilidade desde 1990. “Por ser esta uma área central na minha trajetória de vida, todos os projetos em que estou envolvida têm a ver com a sustentabilidade. Eu diria, porém, que não é só ambiental e sim a busca de uma integração entre a sustentabilidade ambiental e outras sustentabilidades, pois todas elas estão integradas”, afirma ela. Descrever Thais Corral não é nada fácil, a começar pelo currículo extenso*. Sua experiência perpassa diferentes setores. É possível considerá-la pioneira na questão da educação para a sustentabilidade e no desenvolvimento de lideranças.

Você é presidente do Conselho da ABDL (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Liderança). Quais os desafios de uma instituição pioneira na educação para a sustentabilidade?
Thais Corral: Os pioneiros têm a seu favor o fato de poder experimentar e tornar-se referência. Correm por outro lado o risco de tornarem-se obsoletos sem se dar conta. Muitas vezes, quando se tem sucesso com um projeto, é difícil perceber o que a dinâmica das mudanças pede. O início da ABDL foi concomitante com o da internet. Fomos uma das primeiras organizações de educação no Brasil a usá-la como ferramenta de trabalho. Hoje, grande parte das organizações utiliza a internet, e esse diferencial que tínhamos não existe mais.

A ABDL hoje se diferencia por três aspectos. O primeiro deles está no DNA do programa e esteve sempre presente: é propiciar a possibilidade de uma interação multi-setorial. A ABDL sempre investiu para ter em suas turmas um equilíbrio na diversidade entre os participantes provenientes do terceiro setor, setor privado, governo e mídia. A interação entre os setores, a formação de uma rede de colaboração entre lideranças que provêm de vários setores é um dos propósitos do programa.

O segundo aspecto é a dinâmica do aprendizado que se dá a partir da elaboração de projetos que cada um dos participantes no programa desenvolve durante o período de interação com os outros membros do grupo. Essa perspectiva de aprender a partir da prática vem se demonstrando muito positiva, pois permite a interação com os outros membros do grupo, facilitadores e docentes de forma mais efetiva.

O terceiro é o desenvolvimento de habilidades pessoais que também chamamos de recursos internos. Nossos encontros presenciais são feitos em lugares onde há uma forte presença da natureza, do cuidado com as pessoas e isso acaba facilitando uma relação mais profunda consigo próprio e com as outras pessoas. Nossa abordagem de desenvolvimento de liderança está inspirada na visão de que a sustentabilidade tem que se dar no nível das pessoas com elas mesmas, com as outras pessoas e com o planeta.

O que é, para você, educação para a sustentabilidade? É possível implantá-la? Como?
Thais Corral: Na realidade a educação para a sustentabilidade é hoje a principal educação, já que encontrar alternativas para a crise ambiental, e em particular à crise climática, passou a ser essencial para que continuemos a ter as nossas bases de vida no planeta. Não se trata mais de um tema complementar. A questão é que é mais do que uma disciplina, trata-se de uma nova forma de estar no mundo. No programa Liderança para a Segurança Climática que a ABDL lançou este ano estamos abordando o tema da sustentabilidade e a transformação individual é central. Sabe-se hoje que sem que a pessoa se disponha a um processo de transformação, os resultados não são profundos o suficiente a ponto de obter uma mudança à altura dos desafios da sustentabilidade.

Qual era o perfil da liderança há alguns anos, como é hoje e o que você pensa que pode ser a liderança num mundo sustentável?
Thais Corral: Até alguns anos atrás o modelo de liderança mais comum era o do comando e controle, muito baseado na autoridade e no poder de coerção. Ao líder era concedido o poder de proteger, dirigir, orquestrar os conflitos, alocar papéis na sociedade. Em geral o estereótipo do líder estava associado ao do macho alfa dos chimpanzés. Os atributos de força e poder psíquico para coagir, para impor uma norma eram muito importantes. Essa percepção vem mudando em função de todas as conquistas sociais e democráticas do século 20 e da complexidade dos problemas. Hoje, a capacidade de liderar exige habilidades que vai muito além da força, tem muito mais a ver com a capacidade de influência, de apoiar as pessoas a fazer um processo de adaptação para a mudança. Tem a ver com empatia, cuidado e capacidade de ajudar as pessoas num processo de transformação que é necessário.

Como desenvolver lideranças em linha com as idéias de sustentabilidade?
Thais Corral: A emergência dessa liderança depende do desenvolvimento de recursos pessoais e interpessoais que permitam a emergência da inteligência coletiva, ajudando as pessoas a criarem as condições necessárias para as mudanças que tem que ocorrer. A questão da segurança climática oferece uma oportunidade única por contemplar o aspecto do tempo. A transformação para estabilizar o clima terá que acontecer nos próximos 20 anos. Isso significa uma grande mudança nos padrões de produção e consumo que irão impactar fortemente nossas vidas.

Qual o papel da mulher nesse processo?
Thais Corral: Mais do que a mulher enquanto categoria de gênero propriamente dita são as qualidades do feminino (empatia, cuidado, flexibilidade) que podem estar presente em mulheres e homens que fazem uma grande diferença neste momento. A mulher continua a ter um papel importante por estar muito presente no âmbito da reprodução da sociedade, na educação das crianças, no cuidado da família, dos velhos, das comunidades. A questão é que até agora esse trabalho foi invisível, neste momento de crise esse papel se torna muito mais visível e ganha relevância inclusive em nível das políticas públicas que valorizam o desenvolvimento do capital humano, fundamental para que superemos a crise da sustentabilidade e da nossa cultura.

Conte-nos um pouco sobre o seminário internacional "Megacidades e Mudanças Climáticas", organizado pelo LEAD Internacional (www.lead.org) instituição à qual a ABDL está vinculada.
Thais Corral: O Programa Liderança para a Segurança Climática (LSC) faz parte de um conjunto de mudanças curriculares e organizacionais que vem ocorrendo na ABDL desde 2001, quando a organização deixou de receber recursos institucionais da Fundação Rockefeller, principal patrocinador do programa de formação de lideranças para a sustentabilidade. Essas mudanças se traduzem também em novas articulações institucionais, novas temáticas e na busca da sustentabilidade econômico-financeira.

Como parte de seu processo formativo, o Programa de Liderança para a Segurança Climática, 13ª turma do Programa LEAD Brasil, terá seminário internacional realizado na cidade do México, entre 16 e 22 de novembro próximo. O seminário reunirá lideranças de todo o mundo para trabalhar o tema 'Megacidades e Mudanças Climáticas: cidades sustentáveis num mundo em mudança'.

O seminário, promovido pelo LEAD International e pelo LEAD México, é uma chance única de compartilhar conhecimento e informação com participantes do Programa LEAD vindos de cinco continentes. A turma 13 do programa LEAD é realizada em 11 centros ao redor do mundo e reúne a diversidade cultural de mais 40 países.

Sob o tema-chave das Megacidades no contexto do mundo em transformação, serão formadas quatro unidades temáticas: Água e Saneamento, Produção e Consumo de Energia, Uso da terra e planejamento urbano, e Transporte e Mobilidade urbana.

Os seminários internacionais são também uma chance para entrar em contato com os participantes de programas semelhantes em outros países e poder ter essa exposição a outras culturas e visões. Os seminários internacionais também estão no DNA da LEAD Internacional.

Você é coordenadora do Projeto Pintadas Solar, um dos cinco vencedores do prêmio SEED de 2008. Qual o objetivo dessa rede global? E quais são os objetivos do Projeto?
Thais Corral: A iniciativa SEED ( http://www.seedinit.org), é uma rede global fundada pelas organizações IUCN, PNUD e PNUMA, que tem como missão promover parcerias em prol do desenvolvimento sustentável em sintonia com as Metas de Desenvolvimento do Milênio e a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável também conhecida como Rio +10.

Selecionado entre mais de 400 projetos de várias partes do mundo, Pintadas Solar conquistou o prêmio pela estratégia inovadora do projeto que promove o uso de tecnologias apropriadas de irrigação e bombeamento de água com o objetivo de fortalecer a agricultura de pequena escala, a segurança alimentar e a geração de renda no promissor mercado brasileiro dos bio-combustíveis. Um dos principais objetivos do projeto é desenvolver estratégias de adaptação às mudanças do clima que se fazem particularmente sentir nas regiões semi-áridas onde a escassez de chuva e as temperaturas altas acabam por agravar a situação já muito difícil.

O projeto leva o nome do município, de apenas 11 mil habitantes situado a 250 KM de Salvador. Em Pintadas, quase todos os 1.600 domicílios rurais contam com cisternas para armazenar água de chuva. Esse fato somado à forte organização comunitária atraiu o interesse de parceiros externos para realização do projeto Pintadas Solar, cuja fase piloto durou dois anos, de 2006 a 2008.

Agora partiremos para a segunda fase do projeto que será de dar escala às ações piloto. Pretendemos implementar nesta próxima etapa todos os aspectos que podem fazer do projeto Pintadas Solar um modelo a ser replicado não só no Brasil como no mundo.

Você está envolvida em vários projetos cujo foco é a sustentabilidade. Conte-nos um pouco sobre essas iniciativas.
Thais Corral: Sustentabilidade é uma área em que venho trabalhando desde 1990. Por ser esta uma área central na minha trajetória de vida, todos os projetos em que estou envolvida têm a ver com a sustentabilidade. Eu diria, porém, que não é só ambiental e sim a busca de uma integração entre a sustentabilidade ambiental e outras sustentabilidades, pois todas elas estão integradas.

Sou co-diretora de capacitação da Rede Sul Sul Norte (http://www.southsouthnorth.org), que existe em 6 países e implementa projetos de mitigação e adaptação à mudança climática com redução da pobreza. Sou também co-coordenadora do projeto da Comunidade Júlio Otoni (http://julio-otoni.org) que tem por objetivo transformar uma favela do Rio de Janeiro numa comunidade saudável. Sou também uma das fundadoras do Centro de Desenvolvimento Vista Alegre (www.vista-alegre.org), o lugar é um dos mais especiais no entorno do Rio de Janeiro com a presença de cachoeiras e da mata atlântica. Lá, a exuberância do lugar está unida ao cuidado de cada detalhe, da comida ao tratamento das pessoas. Vista Alegre tem como principal proposta acolher programas e oficinas de desenvolvimento de lideranças.

No nível internacional sou também co-diretora da REDE Global Leadership, nossa visão é a de levar trabalhar uma visão da liderança que articule setores, culturas, além do desenvolvimento de habilidades internas e externas em prol de propiciar as bases para uma mudança civilizatória.

* Thais Corral - sua área de interesse atual se dá no campo do desenvolvimento de lideranças para a transição para a sustentabilidade. Coordena a Rede de Desenvolvimento Humano (REDEH) desde 1990. É também presidente do conselho diretor da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças (http://www.abdl.org.br) e membro do conselho deliberativo do LEAD Internacional (http://www.lead.org). É também co-diretora da Global Leadership Network (http://www.globalleadershipnetwork.net) que acaba lançar o livro “Leadership is Global” no qual 22 autores provenientes de várias disciplinas, setores e áreas do planeta compartilham visões e práticas inovadoras que fortalecem a perspectiva de sustentabilidade. Ela também faz parte do Conselho Consultivo do Instituto Akatu.


Naná Prado, para o Instituto Akatu
Envolverde, 10/10/08
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