Redes investem em ensino técnico
Roberta Campassi
Publicado pelo Valor Online em 18/09/07
A falta de profissionais com formação técnica é uma reclamação freqüente, seja na indústria, na agropecuária ou no setor de serviços. Em tempos de crescimento econômico, esse gargalo torna-se ainda mais preocupante. Ao mesmo tempo, pode representar uma oportunidade de negócios que começa a ser explorada por redes de ensino privado.
A Microcamp, cujo principal negócio são os cursos livres de computação, criou dois cursos técnicos no ano passado, um de informática e o outro de tradução em dois idiomas. Foram investidos R$ 6 milhões na construção de um colégio técnico no centro de Campinas (SP), cidade sede da empresa, e mais R$ 600 mil no desenvolvimento do material didático. Por enquanto, os cursos são freqüentados por 4 mil alunos e estão sendo ministrados no colégio e em outras 18 unidades da rede - de um total de 150.
"Até o final do ano, 26 escolas vão oferecer o técnico", afirma Julio Cesar Andreolli, diretor do colégio. "A meta é levar essa modalidade a 80% de nossas unidades até o fim de 2008." De todas as escolas que compõem a rede da Microcamp, metade são franquias e metade são administradas diretamente pelo grupo. Segundo Andreolli, é necessário investir R$ 35 mil em cada unidade que passará a oferecer os cursos técnicos.
Já a Franholding, grupo com cinco marcas de franquias educacionais e mais de mil unidades em operação, começa a vender cursos técnicos de nível médio a partir de 2008. A empresa tem um projeto piloto em São José do Rio Preto (SP), onde oferece o curso de processamento de dados a 200 alunos. "Vamos implantar mais dez escolas no ano que vem", afirma José Carlos Semenzato, presidente da empresa. "Creio que até 2010 seja possível implantar o ensino técnico em dez Estados", conta. Cada unidade custará perto de R$ 500 mil, conforme a estimativa do executivo. A Franholding deve faturar R$ 450 milhões este ano.
Semenzato afirma que está fazendo um levantamento dos setores em que há demanda por profissionais com formação técnica. Ele cita como exemplo a indústria do álcool, onde já existe carência de profissionais com diferentes níveis de capacitação. "Já em Recife, haverá necessidade de pessoas para trabalhar nos vários estaleiros que estão sendo construídos."
A expectativa dessas redes é que o crescimento econômico fomente a demanda pela formação técnica como, de fato, ocorreu nos últimos anos. Entre 2001 e 2006, o número de alunos do ensino médio em nível técnico saltou de 462 mil para 744 mil. Entre 2004 e 2006, o crescimento ao ano foi de aproximadamente 5%. Boa parte dessa expansão esteve concentrada nas escolas administradas pelos Estados e pela rede privada - esta responde por 70% das instituições e pouco mais de 50% das matrículas. A rede particular também inclui o "sistema S" (formado por Sesc, Senai, Senac, Sebrae e Sesi), que sozinho responde por mais de mil estabelecimentos.
O desafio das redes de franquias será justamente competir com as vagas oferecidas pelo "sistema S" e pelas escolas públicas, sejam elas do governo municipal, estadual ou federal. No início de setembro, o Ministério da Educação (MEC) lançou oficialmente um programa de expansão do ensino técnico que prevê a construção de mais 210 escolas até 2010, em complemento às 144 que existiam ao fim de 2006. No mesmo intervalo de tempo, apenas o Senai quer abrir mais 400 mil vagas de ensino técnico de nível médio voltado para as demandas da indústria.
Ryon Braga, presidente da Hoper, consultoria especializada em educação, avalia que o o crescimento da demanda ocorrerá na população de baixa renda, que dificilmente poderá pagar pelo ensino. "Hoje, há cursos técnicos que custam R$ 250 por mês, mas acredito que nos próximos anos o mercado só vai absorver mensalidades entre R$ 80 e 140", afirma. "Acho um risco relativamente grande para as redes privadas investirem no ensino técnico de nível médio."
A saída para as entidades privadas, segundo Ryon, é justamente oferecer cursos em áreas que o governo e o "sistema S" ainda não são fortes. "Por exemplo, cursos de saúde, hotelaria e turismo."
Esse foi o caminho escolhido pela Microcamp, segundo Andreolli, apesar do preço cobrado: R$ 249 ao mês. "Temos a vantagem de que não existe nenhum outro curso técnico de idiomas no país. Ao mesmo tempo, a grande demanda pelo técnico em informática se mantém."
Outro desafio é competir com os cursos tecnológicos de nível superior, que duram dois ou três anos e são oferecidos em grande quantidade pelas faculdades. "Essa modalidade ainda não decolou, mas tem tudo para crescer nos próximos anos", diz Braga.
Semenzato, da Franholding, reconhece que a concorrência existe, mas aposta na demanda em ascensão. "Muitos jovens não podem esperar chegar à universidade para ter uma profissão", afirma.
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