terça-feira, 3 de julho de 2007

Os países não conseguem acabar com a fome

Gustavo Capdevila
Publicado pela
IPS em 03/07/07

O objetivo de reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas que passam fome, em relação aos níveis de 1990, caminha para o fracasso, alertaram ativistas da organização não-governamental ActionAid, que em resposta decidiu lançar uma campanha mundial.

Uma tragédia real e um verdadeiro escândalo é que o número de pessoas afetadas pela fome aumentou, em sete anos, de 800 milhões para 854 milhões, disse Ramesh Singh, chefe da organização, ao anunciar a campanha pela afirmação do direito à alimentação para os povos.

Singh responsabilizou pelo fracasso os governantes do mundo porque, ao mesmo tempo, a produção mundial de alimentos cresce ao extremo de poder sustentar 12 bilhões de pessoas, quase o dobro da população atual. Por esse motivo, a ActionAid escolheu a cidade suíça de Genebra, que esta semana é sede do primeiro Exame Ministerial Anual do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), mecanismo recém-criado por esse organismo da Organização das Nações Unidas. Em sua sessão inaugural, o Exame analisa os resultados de dois dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: redução pela metade da pobreza extrema e fome, e a criação de uma associação mundial para o desenvolvimento.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ressaltou que essas duas metas, que na essência promovem a ação contra a miséria e a incorporação do setor privado ao fórum mundial, sustentam toda a agenda de desenvolvimento da organização. Os outros Objetivos do Milênio para 2015 são ensino primário universal; promoção da igualdade de gênero e autonomia da mulher; redução da mortalidade infantil; melhoria da saúde materna; combate ao HIV/aids, paludismo e a outras doenças, e garantir a sustentabilidade do meio ambiente.

Ban afirmou que, ao se completar a primeira metade do prazo estabelecido, essas metas continuam sendo alcançáveis, mas unicamente “se os líderes políticos adotarem ações urgentes e concertadas”. Entretanto, o secretário-geral defendeu as conclusões de um informe da ONU distribuído nesta segunda-feira que dá como certa a comprovação de que a porcentagem de pessoas que vivem em condições de extrema pobreza diminuiu de um terço para um quinto da população mundial entre 1990 e 2004. Em contraste, Singh declarou aos jornalistas que o informe do secretário-geral “encobre as questões da fome e não leva em conta o fato de que agora há mais pessoas com fome no mundo”.

Por sua vez, o relator especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação, o acadêmico suíço Jean Ziegler, disse à IPS que o informe de Ban revela progressos no geral, e retrocessos no tocante à fome. Segundo Ziegler, alguns funcionários da ONU acreditam que o aumento do número de pessoas afetadas pela fome se deve ao crescimento da população mundial. “Não aceitamos esse critério porque é um argumento desumano. Cada criança que morre de fome hoje em dia é uma criança assassinada”, afirmou.

Portanto, a ActionAid, com sede na África do Sul, “interpreta que a fome não é um sofrimento necessário, não é um ato da natureza nem um ação divina. É uma escolha política, pois constitui uma violação dos direitos humanos e um falta dos líderes mundiais em relação aos seus deveres”, resumiu Singh. A campanha da ActionAid procura assegurar que o direito à alimentação seja reconhecido como um dos direitos humanos fundamentais por todos os instrumentos jurídicos nacionais e internacionais, constituições, códigos, leis e outras normas, de maneira que os governantes e os líderes possam ser responsabilizados.

Outro aspecto da campanha inclui a promoção dos direitos da mulher à terra, um instrumento básico na produção de alimentos, atividade na qual a mulher aparece como provedora e produtora principal. As estatísticas demonstram que 90% do trabalho agrícola destinado à produção de alimentos são feitos por mulheres. Mas apenas 1% do total de propriedades agrícolas pertence a mulheres, destacou Singh. Este desequilíbrio é inaceitável, afirmou. A igualdade de direitos de propriedade agrária para a mulher garantirá a disponibilidade de alimentos para as famílias e as crianças, ressaltou o especialista.

Outro objetivo da campanha é deter a ação das empresas multinacionais que “criam fome”. Singh apontou grupos privados como Monsanto, Wal Mart e Tesco, os quais acusou de serem responsáveis por grande parte da fome no mundo. Cinco grandes empresas controlam 90% do comércio mundial de grãos, acrescentou. O mesmo ocorre com grande parte da agroindústria, como no caso de sementes, fertilizantes e demais químicos, no Brasil, o abastecimento de 60% da semente de milho está nas mãos da Monsanto, ressaltou Singh.

Por outro lado, Ziegler observou que os Estados têm uma obrigação transnacional de atuar em casos de fome em outros territórios. ‘Devem cumprir seu dever de assistência quando o outro Estado não é capaz de fazê-lo e têm de pagar a ajuda humanitária”, disse à IPS. Sobre este tema, o informe da ONU, assinado por José Antonio Ocampo, secretário-geral-adjunto para assuntos econômicos e sociais, reconhece que as nações industrializadas devem cumprir suas promessas de contribuir com uma ajuda ao desenvolvimento equivalente a 0,7% de seu produto interno bruto. (IPS/Envolverde)


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